Reservatório da Cantareira, que um dia abasteceu milhões de pessoas em São Paulo |
Luís
Alberto Alves
O cenário é horroroso. A garrafinha de água,
de 250 ml é vendida a R$ 200. O galão de 50 litros custa R$ 5 mil. Nos
hipermercados o refrigerante e as bebidas alcoólicas perderam espaço para a
água. Cada cliente tem direito a levar duas garrafas de dois litros, ao preço
de R$ 800. Para evitar saques, esses estabelecimentos comerciais têm guarda
reforçada diariamente, com homens musculosos armados de metralhadoras.
Por que? Para repelir os saques, não de
comida. Há muito tempo os miseráveis deixaram de lado o furto ou roubo de
alimentos. Eles estão em busca, sempre, do ouro líquido. Sinônimo de riqueza
não é mais andar de carro importado ou morar nos apartamentos de cobertura dos
bairros luxuosos. É ter dentro de casa diversos galões de água mineral. Visto
que a fornecida pela Sabesp (Saneamento Básico de São Paulo) agora tem o
terrível gosto de barro ou de podre, pois passou a ser captada do morto rio
Tietê.
Para evitar mortes, o governo decretou crime
de lesa pátria quem for pego lavando calçada ou carro. Nas empresas nenhum
funcionário pode escovar os dentes nos banheiros, monitorado por câmeras de
última geração. A descarga só é permitida após o vaso sanitário estar próximo
de evitar qualquer uso. Mesmo assim, a válvula só libera cinco litros da água
captada pelas calhas do edifício.
Os hotéis, todos, passaram a cobrar taxa extra
nos quartos com chuveiro. A ordem é o cliente não tomar banho. Ele só tem
direito a 800 ml deste líquido precioso durante estadia de três dias. Nos bares
e restaurantes o copo de água mineral é vendido a R$ 60. É proibido qualquer
desperdício. Os pratos são lavados com jatos de ar.
Na periferia onde se aglomera a legião de
miseráveis, a tropa de choque da PM agride diariamente parte da população que
insiste em invadir os bairros da elite em busca de água. Caso alguém seja pego
saqueando um caminhão pipa, é sumariamente executado, sem direito a qualquer
defesa. Aliás, este tipo de transporte é feito sob rigorosa segurança. Os
motoristas usam uniformes que dificulta furto do ouro líquido.
O abastecimento é vigiado por câmeras e
equipes de segurança. Mesmo as gotas que caiam no solo, são rapidamente absorvidas
por tapetes e repostas no tanque. As raras nascentes de água estão protegidas
pela tropa de choque do Exército e Aeronáutica. Ninguém pode se aproximar do
local, sem autorização expressa do ministério da Defesa.
A maioria das nações não briga mais pelo
petróleo. Pois combustíveis alternativos abastecem os veículos, inclusive com
ar. O foco hoje é a água. O Amazonas virou área de segurança internacional,
sofrendo ataques constantes dos Estados Unidos e países europeus. Parte desse
Estado, próximo ao Pará acabou anexado pelos norte-americanos. Diariamente
cargueiros partem lotado do ouro líquido rumo às grandes cidades do tio Sam.
Na rodas de botecos, onde poucos bebem cachaça
ou cerveja, apenas molham os lábios com água, ao custo de R$ 40 o algodão
umedecido, as pessoas relembram que tudo começou em 2015, quando a seca
liquidou com a economia paulista. Alguns se recordam saudosamente da época em que as piscinas de clubes públicos eram a
diversão da criançada. Hoje elas estão secas.
As escolas lecionam aulas de história falando
do extinto Complexo da Cantareira, do seco Rio São Francisco, do extinto
Paraíba do Sul, de as cataratas do Iguaçu terem apenas 20% de água, os rios do
Pantanal terem virado riachos. As crianças custam a acreditar, no ano de 2025,
que um dia São Paulo foi chamada de terra da garoa. Das enchentes nas Avenidas
23 de Maio, Nove de Julho, na região do Aricanduva, Zona Leste, e até das
Marginais do Tietê e Pinheiros, que transformavam suas pistas em piscinas
quando chegava o Verão.
Tudo ficou para trás. Hoje as pessoas tomam
banho de perfume para espantar o mau cheiro. São raros imóveis com chuveiro ou
caixa de água de 500 litros. Por medida de segurança nacional, só é
comercializada caixas de 50 litros. Qualquer desperdício é punido com a morte.
Pode parecer besteira, mas num futuro não muito distante é bem provável que
tenhamos cenário parecido com este texto de ficção. Onde a água será disputada
por meio de guerras e a preço de ouro. Até o ato de tomar banho será privilégio
de milionários....
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