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quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Fidelidade partidária, palavra desconhecida pelos políticos brasileiros

Lula, o então candidato Haddad à prefeitura de SP, e Paulo Maluf, adversário ferrenho do petista na década de 80


Luís Alberto Caju

 Imagine alguém que saiu de São Paulo em 1984, no auge do movimento pelas Diretas Já, e ficou desconectado da realidade política do País até 2013. Enclausurado numa aldeia perdeu todo o contato com a civilização. De repente resolveu retornar à rotina da capital paulista. Encontrou alguns amigos, hoje todos na faixa dos 50 anos, avós e perto da aposentadoria por tempo de serviço.

Manifestação pelas Diretas Já no Vale do Anhangabaú em abril de 1984

 Como ingênuo bradou o grito de democracia na mesa do boteco, ao lado dos colegas. Com energia passou a criticar Paulo Maluf, José Sarney, Delfim Netto; elogiou José Serra e Fernando Henrique. Mas logo levou um puxão de orelhas, que quase lhe fez cair o copo de cerveja no chão.

 “Você ficou maluco”, questionou o amigo de infância, militância e passeatas no final da década de 1970, pelo Vale do Anhangabaú e Avenida São João, com a tropa de choque orientada pelo secretário de Segurança Pública, Erasmo Dias, descendo a borracha em todo mundo. “Doido é você! Essa trinca merece morrer. Não sei quem é pior: o Maluf, o Sarney ou Delfim”, retrucou.
Economista Delfim Netto, de crítico mordaz a alinhado do PT na gestão do presidente Lula

 “Parece que a erva que você fumou ao lado dos índios na selva amazônica afetou seus neurônios”, respondeu outro companheiro de luta, mas sindical; na época que ninguém usava o sindicalismo como trampolim para administrar fundos de pensão e encostar o burro na sombra.
Jurista Hélio Bicudo, um dos fundadores do PT, que se desligou do partido

 “Posso ter fumado muito baseado com índios, mas não deixei de ser socialista. A salvação do Brasil vem do ABC, quando colocarmos alguém como o companheiro Lula no poder. Tudo entra nos eixos”, discursou de forma saudosista. Logo a mesa ficou cercada de gente. Ninguém compreendia mais aquela conversa.
Sarney, de aliado do Regime Militar de 64 a base de apoio na gestão Lula e Dilma

 Para parte da freguesia do boteco, em Vila Madalena, Zona Oeste de São Paulo, bairro famoso pela população de perfil esquerdista e ambiental, parecia alguém com perda de memória ou estava de gozação. “Companheiro tudo mudou! Delfim, Maluf e Sarney estão do lado do Lula”, ressaltou um colega socando a mesa, quase derrubando o prato de porção de batata frita no chão.
FH apoiava Lula na época de sindicalista, virou adversário político depois

 “Como é que é? Lula já foi presidente do Brasil e a trinca maldita ficou ao lado dele? E o Serra e o Fernando Henrique hoje são oposição a nós”?, questionou confuso. “Isto mesmo companheiro”, disse outro amigo da época de centro acadêmico na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco.

 De forma didática ele descreveu o que aconteceu no Brasil de 1984 até 2013. “Logo depois que você se enfiou na selva do Amazonas, após a derrota da Emenda Dante de Oliveira, que defendia eleição direta para presidente, muita água passou embaixo da ponte”, afirmou.
Repressão contra passeatas durante o Regime Militar

 Prosseguiu: “O Tancredo Neves colocou o Sarney de vice na chapa e ganhou a eleição indireta do Paulo Maluf, candidato dos militares e unha e carne com os golpistas do Regime de 1964, que derrubou o presidente João Goulart”, descreveu. “Você desconhece, mas Tancredo Neves morreu e Sarney, que veio UDN, pulou para a Arena que virou PDS e abriu uma dissidência chamada PFL, que agora se chama DEM, assumiu o poder”, explicou.

 “Quem está doido é você! Fiquei na selva comendo raízes e frutas do pé, mas não perdi a lucidez”, questionou. “Companheiro, o Sarney ficou no poder até 1990, quando passou o bastão para um sujeito playboy das Alagoas, Collor de Mello, que derrotou Lula na eleição direta de 1989”, descreveu. “Agora a coisa está ficando clara”, concordou.

 “Espera que não acabou”, respondeu o amigo ex-sindicalista. “O Fernando Henrique que você elogiou ganhou a eleição seguinte contra o Lula. Veio outra e ele fez a mesma coisa. Não existe mais aquele apego da época das greves no ABC, quando o Fernando apoiava a luta de Lula nos Metalúrgicos” , afirmou.

 “E o Collor de Mello, o que aconteceu com ele?”, retrucou. “Caro amigo, esse crápula renunciou por causa de uma série de escândalos em seu governo. Na época o Lula o odiava. Mas depois viraram amigos e viajaram juntos, recentemente, para a África do Sul no funeral do Nelson Mandela”, disse.

 “Cada vez mais fico confuso”, emendou. “No primeiro governo Lula, ele aceitou ajuda do Sarney, Maluf e Delfim, que, aliás, virou conselheiro econômico na gestão Lula”, explicou. “Vocês estão de brincadeira comigo”, esbravejou. “Companheiro esquece os ideais socialistas da década de 1970, das passeatas, dos atos políticos na Praça da Sé e Vale do Anhangabaú”, tentou acalmar o amigo de longa data.

 “Como fazer isto”?, questionou com voz baixa, deixando de lado o copo de cerveja. “Infelizmente no poder, o companheiro Lula repetiu as mesmas práticas questionadas em governos anteriores. O partido perdeu grandes quadros, como o jurista Hélio Bicudo, Heloisa Helena, Plínio de Arruda Sampaio, Luiza Erundina, Marina Silva, Cristovam Buarque entre outros”, afirmou.

 “Parece que vocês colocaram veneno nesta cerveja ou estou ouvindo alucinação”, retrucou. “Não é alucinação companheiro. É a pura verdade. A maioria dos parlamentares da direita está apoiando a presidente Dilma, inclusive gente do Paulo Maluf. Sabia que os mesmos escândalos que ocorriam no final da ditadura, também continuam com a esquerda no poder, se é que posso chamar de esquerda essa gestão”, ressaltou.


 Após a longa conversa regada a muita cerveja e caipirinha, o companheiro que ficou quase 30 anos vivendo com índios no Amazonas e afastado de todo noticiário político nacional, teve a cruel certeza de que fidelidade partidária é palavra desconhecida pelos políticos brasileiros. Saiu do bar, parou numa banca de jornal e quase caiu de costas: “Genoino e Zé Dirceu cumprirão penas no presídio da Papuda”, informava a manchete de um jornal. Desceu a rua, pensando em voltar à aldeia no meio da selva amazônica e nunca mais sair de lá.

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