Luís
Alberto Alves
A idade
é traiçoeira no mercado de trabalho. Quando você tem 16 ou 19 anos, as empresas
lhe cobram experiência e diversos cursos de qualificação. Para piorar a
carteira profissional está limpa de registros. O currículo é deletado ou jogado
rapidamente na lata de lixo. Pouquíssimas empresas apostam no talento de alguém
que nunca esteve empregado.
Porém, a pior experiência é quando ela sobra
na sua carreira. É caso de Justino. Fala perfeitamente inglês, francês, alemão,
castelhano e mandarim. Cursou Administração de Empresas na Fundação Getúlio
Vargas, a famosa GV, da Avenida 9 de Julho, próximo da conhecida Avenida
Paulista, Centro. Antes passou pela Faculdade de Economia da USP. E enriqueceu
a vida acadêmica numa pós graduação em Harvard, Estados Unidos.
Dos 26 aos 45 anos foi funcionário de empresas
graduadas no mercado. Se comparado com o futebol, é o mesmo de ter jogado em
grandes equipes brasileiras e conquistado títulos importantes e visitado , às
vezes, a Seleção Brasileira, em partidas amistosas.
Porém a nossa vida tem o famoso “mas”. Num
belo dia chegou ao escritório da multinacional onde estava no quadro de
funcionários há dez anos. A secretária lhe comunicou que a presidência marcara
reunião urgente com ele no período da tarde. Como ocupava cargo de confiança
não se preocupou. Participou de muitas, onde sugeria como economista graduado,
qual a melhor estratégia de mercado a seguir, evitando riscos de perda de
dinheiro e retração no segmento de atuação.
Logo chegou a tarde. Entrou na sala da presidência
e percebeu que outros diretores estavam presentes à mesa e sobre ela se encontrava
diversas pastas, repletas de documentos coalhados de gráficos econômicos, algo
que Justino conhecia muito bem.
Regalias
“Just (como
carinhosamente o chamavam) a situação do Brasil não é nada boa”, iniciou o bate-papo
o presidente para quebrar o gelo na conversa. “Reconhecemos e você também, o
talento do atual ministro da Fazenda Guido Mantêga, mas temos uma presidente no
seu primeiro mandato. Ela é carente do carisma do antecessor, Lula. Recebi
orientação da matriz nos Estados Unidos e precisamos tomar medidas drásticas”,
prosseguiu.
Após duas horas de conversa, Just passou a
engrossar o time de executivos desempregados, na faixa acima dos 40 anos. A
empresa lhe pagou gorda indenização trabalhista, estendeu por um ano o convênio
médico, top de linha, concordou no pagamento de igual período, do colégio onde
estudavam seus dois filhos e outras regalias, em reconhecimento ao tempo que
ali trabalhou.
Acostumando a almoçar e jantar em restaurantes
de luxo dos Jardins, jogar tênis no elitizado Paulistano, viajar com a família aos
finais de semana a points turísticos do Brasil e Exterior. Às vezes assistia
musicais na famosa Broadway ou passava alguns dias em Paris, onde sua esposa
enchia a mala dos requintados perfumes franceses e, claro, dos bons sapatos
italianos.
Os anos de estudos e pós graduação contribuíram
para ganhar bom salário. Na sua casa, e que bela residência, num condomínio
fechado no badalado bairro Anália Franco, Zona Leste de Sampa, a palavra
contenção de despesa nunca estava na ordem do dia. A alimentação era farta,
assim como roupas, calçados e equipamentos eletro eletrônicos de luxo e primeira
linha.
Porém o dia mau, como disse inspirado por
Deus, o sábio Salomão no livro bíblico de Eclesiastes, chega para todos. Just
imaginou que a pequena fortuna da rescisão contratual iria durar bastante. Até
aconteceria, se ele tivesse padrão de vida de classe média baixa, acostumada a
almoçar em restaurante por quilo e passar o final de semana no Litoral Norte de
São Paulo e tivesse na garagem um carro 1.4, sem muito luxo e filhos estudassem
em escolas de padrão mediano, não nos top de linha, aonde a mensalidade chega
aos R$ 3 mil ou mais.
Palestras
Só de empregados, a sua casa tinha três,
consumindo de salários quase R$ 4 mil, mensais, incluindo encargos
trabalhistas. A compra semanal batia sempre na faixa dos R$ 600,00. Sua esposa
tinha horário fixo nos salões de beleza, onde, por baixo, deixava R$ 800,00,
quando ali comparecia para retocar a beleza, várias vezes ao mês.
Para se ter uma idéia, entre salários e bônus
Just tirava mensalmente R$ 25 mil. Com suas palestras de economia de mercado
internacional, retirava por mês R$ 40 mil. Por 90 minutos de conversa para
dizer qual impacto as medidas políticas e econômicas tomadas no Exterior
poderiam influenciar no mercado empresarial, cobrava R$ 8 mil. Dependendo do
interesse fazia de três a seis em 30 dias.
Aplicou parte da indenização recebida e
apostou numa rápida volta ao mercado. Primeiro apelou para as amizades, depois
centrou fogo no envio de currículos e depois passou a pedir a Deus, algo que
nunca havia feito na época de bonança.
Após alguns meses começou a sentir o peso de
ter mais de 40 anos e estar desempregado. Nas entrevistas percebia que seu
vasto currículo intimidava os gerentes de RH, além, claro, de salário quase 40%
menor ao que ganhava. Dos três empregados em casa, demitiu dois. Negociou a
entrada dos filhos para terminar o Ensino Médio em colégios menos graduados,
onde pudesse pagar pelo menos R$ 1.600,00 de mensalidade.
Soropositivo
Os almoços e jantares nos restaurantes tops de
linha foram rareando até chegar aos famosos por quilo, onde a classe média
baixa sacia a fome. As viagens ao Exterior caíram também, assim como marcar
ponto na Broadway. Das compras no Pão de Açúcar passou a encher o carrinho em hipermercado
de faixa popular.
Passou a sobreviver das palestras, que às
vezes chegam a duas por mês, cobrando metade do preço. Sua linda e vaidosa
esposa precisou entender que precisava reduzir os gastos nos salões de beleza e
na compra de lingeries finíssimas e caras.
Após quatro anos fora do mercado, percebeu o
quanto o mercado empresarial é ingrato no Brasil. Rapidamente esquecem os
trabalhadores talentosos e de grande bagagem curricular para diminuição de
custos. Consideram desempregados acima de 45 anos, como alguém soropositivo ou
que tenha outro tipo de doença contagiosa.
Optam pela burra economia de contratar
desqualificados para tentarem garantir a qualidade que somente os capacitados
têm condições de fazer. Deixam de lado a capacidade que alguém nesta faixa
etária tem de rapidamente compreender as decisões tomadas em qualquer nível
governamental.
Com outro padrão de vida, agora divorciado,
morando numa quitinete no Centro de Sampa, vestindo ternos de grife popular e
sapatos adquiridos em lojas de ruas, Just concluiu que algumas pessoas,
inclusive familiares, só rendem admiração quando a bonança é presença marcante
em sua vida.
Bonança
De alguém que
ostentava padrão de vida com renda salarial de R$ 40 mil, Just tenta manter na
conta corrente R$ 4 mil, descontada a pensão alimentícia dos dois filhos e da
mulher, que herdou a residência no condomínio fechado, aonde as despesas
mensais chegam aos R$ 1.500,00.
Veio o segundo mandato de Dilma Rousseff e
Just ainda se mantém longe do mercado de trabalho. A idade e seu rico currículo
ainda assustam os futuros empregadores. Dos antigos amigos da época de bonança,
a maioria o tirou do seu círculo de amizade. Afinal de contas Just agora é
atleta no time dos duros, ausente de eventos top de linha.
Sua vida é resumida nas raras palestras feitas
em sindicatos patronais e até mesmo outras associações de classe. Quando vai
dormir, demora a pegar no sono. De sua mente demora a sair os momentos de
glamour vividos na época da bonança, do dia bom, quando tudo funcionava
corretamente. Agora no dia mau, vive atormentado com o futuro, de se imaginar
velho, abandonado sem qualquer utilidade nesta sociedade onde o importante é
ter poder, dinheiro e sexo.
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