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segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Desempregado é carta fora do baralho no Brasil





Luís Alberto Alves

  A idade é traiçoeira no mercado de trabalho. Quando você tem 16 ou 19 anos, as empresas lhe cobram experiência e diversos cursos de qualificação. Para piorar a carteira profissional está limpa de registros. O currículo é deletado ou jogado rapidamente na lata de lixo. Pouquíssimas empresas apostam no talento de alguém que nunca esteve empregado.


 Porém, a pior experiência é quando ela sobra na sua carreira. É caso de Justino. Fala perfeitamente inglês, francês, alemão, castelhano e mandarim. Cursou Administração de Empresas na Fundação Getúlio Vargas, a famosa GV, da Avenida 9 de Julho, próximo da conhecida Avenida Paulista, Centro. Antes passou pela Faculdade de Economia da USP. E enriqueceu a vida acadêmica numa pós graduação em Harvard, Estados Unidos.

 Dos 26 aos 45 anos foi funcionário de empresas graduadas no mercado. Se comparado com o futebol, é o mesmo de ter jogado em grandes equipes brasileiras e conquistado títulos importantes e visitado , às vezes, a Seleção Brasileira, em partidas amistosas.

 Porém a nossa vida tem o famoso “mas”. Num belo dia chegou ao escritório da multinacional onde estava no quadro de funcionários há dez anos. A secretária lhe comunicou que a presidência marcara reunião urgente com ele no período da tarde. Como ocupava cargo de confiança não se preocupou. Participou de muitas, onde sugeria como economista graduado, qual a melhor estratégia de mercado a seguir, evitando riscos de perda de dinheiro e retração no segmento de atuação.

 Logo chegou a tarde. Entrou na sala da presidência e percebeu que outros diretores estavam presentes à mesa e sobre ela se encontrava diversas pastas, repletas de documentos coalhados de gráficos econômicos, algo que Justino conhecia muito bem.

                                               Regalias
“Just (como carinhosamente o chamavam) a situação do Brasil não é nada boa”, iniciou o bate-papo o presidente para quebrar o gelo na conversa. “Reconhecemos e você também, o talento do atual ministro da Fazenda Guido Mantêga, mas temos uma presidente no seu primeiro mandato. Ela é carente do carisma do antecessor, Lula. Recebi orientação da matriz nos Estados Unidos e precisamos tomar medidas drásticas”, prosseguiu.

 Após duas horas de conversa, Just passou a engrossar o time de executivos desempregados, na faixa acima dos 40 anos. A empresa lhe pagou gorda indenização trabalhista, estendeu por um ano o convênio médico, top de linha, concordou no pagamento de igual período, do colégio onde estudavam seus dois filhos e outras regalias, em reconhecimento ao tempo que ali trabalhou.

 Acostumando a almoçar e jantar em restaurantes de luxo dos Jardins, jogar tênis no elitizado Paulistano, viajar com a família aos finais de semana a points turísticos do Brasil e Exterior. Às vezes assistia musicais na famosa Broadway ou passava alguns dias em Paris, onde sua esposa enchia a mala dos requintados perfumes franceses e, claro, dos bons sapatos italianos.

 Os anos de estudos e pós graduação contribuíram para ganhar bom salário. Na sua casa, e que bela residência, num condomínio fechado no badalado bairro Anália Franco, Zona Leste de Sampa, a palavra contenção de despesa nunca estava na ordem do dia. A alimentação era farta, assim como roupas, calçados e equipamentos eletro eletrônicos de luxo e primeira linha.

 Porém o dia mau, como disse inspirado por Deus, o sábio Salomão no livro bíblico de Eclesiastes, chega para todos. Just imaginou que a pequena fortuna da rescisão contratual iria durar bastante. Até aconteceria, se ele tivesse padrão de vida de classe média baixa, acostumada a almoçar em restaurante por quilo e passar o final de semana no Litoral Norte de São Paulo e tivesse na garagem um carro 1.4, sem muito luxo e filhos estudassem em escolas de padrão mediano, não nos top de linha, aonde a mensalidade chega aos R$ 3 mil ou mais.

                                               Palestras
 Só de empregados, a sua casa tinha três, consumindo de salários quase R$ 4 mil, mensais, incluindo encargos trabalhistas. A compra semanal batia sempre na faixa dos R$ 600,00. Sua esposa tinha horário fixo nos salões de beleza, onde, por baixo, deixava R$ 800,00, quando ali comparecia para retocar a beleza, várias vezes ao mês.

 Para se ter uma idéia, entre salários e bônus Just tirava mensalmente R$ 25 mil. Com suas palestras de economia de mercado internacional, retirava por mês R$ 40 mil. Por 90 minutos de conversa para dizer qual impacto as medidas políticas e econômicas tomadas no Exterior poderiam influenciar no mercado empresarial, cobrava R$ 8 mil. Dependendo do interesse fazia de três a seis em 30 dias.

 Aplicou parte da indenização recebida e apostou numa rápida volta ao mercado. Primeiro apelou para as amizades, depois centrou fogo no envio de currículos e depois passou a pedir a Deus, algo que nunca havia feito na época de bonança.

 Após alguns meses começou a sentir o peso de ter mais de 40 anos e estar desempregado. Nas entrevistas percebia que seu vasto currículo intimidava os gerentes de RH, além, claro, de salário quase 40% menor ao que ganhava. Dos três empregados em casa, demitiu dois. Negociou a entrada dos filhos para terminar o Ensino Médio em colégios menos graduados, onde pudesse pagar pelo menos R$ 1.600,00 de mensalidade.

                                              Soropositivo

 Os almoços e jantares nos restaurantes tops de linha foram rareando até chegar aos famosos por quilo, onde a classe média baixa sacia a fome. As viagens ao Exterior caíram também, assim como marcar ponto na Broadway. Das compras no Pão de Açúcar passou a encher o carrinho em hipermercado de faixa popular.

 Passou a sobreviver das palestras, que às vezes chegam a duas por mês, cobrando metade do preço. Sua linda e vaidosa esposa precisou entender que precisava reduzir os gastos nos salões de beleza e na compra de lingeries finíssimas e caras.

 Após quatro anos fora do mercado, percebeu o quanto o mercado empresarial é ingrato no Brasil. Rapidamente esquecem os trabalhadores talentosos e de grande bagagem curricular para diminuição de custos. Consideram desempregados acima de 45 anos, como alguém soropositivo ou que tenha outro tipo de doença contagiosa.

 Optam pela burra economia de contratar desqualificados para tentarem garantir a qualidade que somente os capacitados têm condições de fazer. Deixam de lado a capacidade que alguém nesta faixa etária tem de rapidamente compreender as decisões tomadas em qualquer nível governamental.

 Com outro padrão de vida, agora divorciado, morando numa quitinete no Centro de Sampa, vestindo ternos de grife popular e sapatos adquiridos em lojas de ruas, Just concluiu que algumas pessoas, inclusive familiares, só rendem admiração quando a bonança é presença marcante em sua vida.

                                              Bonança
De alguém que ostentava padrão de vida com renda salarial de R$ 40 mil, Just tenta manter na conta corrente R$ 4 mil, descontada a pensão alimentícia dos dois filhos e da mulher, que herdou a residência no condomínio fechado, aonde as despesas mensais chegam aos R$ 1.500,00.

 Veio o segundo mandato de Dilma Rousseff e Just ainda se mantém longe do mercado de trabalho. A idade e seu rico currículo ainda assustam os futuros empregadores. Dos antigos amigos da época de bonança, a maioria o tirou do seu círculo de amizade. Afinal de contas Just agora é atleta no time dos duros, ausente de eventos top de linha.


 Sua vida é resumida nas raras palestras feitas em sindicatos patronais e até mesmo outras associações de classe. Quando vai dormir, demora a pegar no sono. De sua mente demora a sair os momentos de glamour vividos na época da bonança, do dia bom, quando tudo funcionava corretamente. Agora no dia mau, vive atormentado com o futuro, de se imaginar velho, abandonado sem qualquer utilidade nesta sociedade onde o importante é ter poder, dinheiro e sexo. 

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