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sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Desfiles de carnaval sem empolgação de antigamente


O criador deste blog desfilando na Avenida Tirandentes, em SP, pela Vai Vai no Carnaval de 1987


Luís Alberto Alves

 Não sou nostálgico, mas há muito tempo perdi o interesse pelo Carnaval, seja paulistano ou carioca. Peguei a época de bons sambas enredos, nas décadas de 1970 e 1980. Era poesia pura, regrado de lindas melodias. Os passistas, muitos residentes nas comunidades carentes e periferia, vestiam a camisa da agremiação. Hoje, as escolas viraram reféns do marketing carnavalesco da Globo. Os negros sumiram. Agora o espaço é de artistas da casa e diversas modelos, sem qualquer intimidade com o samba.

 Gosto de tecnologia de ponta em qualquer segmento da sociedade. Mas o problema da Rede Globo é que ela destrói a essência onde coloca suas mãos ou tentáculos. Antigamente a Corrida de São Silvestre era de noite, levava multidões às ruas para assistir os atletas que se despediam do “ano velho” correndo. A Globo assumiu o evento, retirou do horário noturno, trouxe primeiro para a tarde e agora a corrida é de manhã.

 Com o Carnaval de São Paulo ocorreu o mesmo. Aos poucos, evitando polêmica, introduziu o seu padrão de beleza. Já repararam que nas novelas e minisséries dessa emissora os negros aparecem em pouco número. Predomina artistas brancos, de preferência de olhos claros e loiros. Como se o Brasil fosse os países nórdicos.
A paulistana escola Camisa Verde e Branco, em 1987, colocando "fogo" na passarela da Tiradentes

 Até a década de 1980 as escolas de samba paulistanas tinham grande quantidade de passistas de pele escura ou afro-descendentes, como prega o manual do politicamente correto de hoje. Mesmo na Rosas de Ouro, considerada agremiação da elite, os negros da região da Freguesia do Ó, principalmente de Vila Brasilândia, Zona Norte da cidade, onde nasceu a escola no começo da década de 1970, marcavam forte presença.

 Nenê de Vila Matilde, talvez a escola mais negra da capital paulista, após a entrada da Globo na transmissão dos desfiles, virou filial da Suécia. Negros só na bateria ou empurrando carros alegóricos ou na ala das baianas. No restante estão os modelos e artistas globais. Os destaques não têm pele escura e raramente alguém da comunidade carente participa.

 Curioso que até metade da década de 1980 as escolas paulistanas apresentavam enredos críticos, descendo ironicamente o sarrafo no sistema, como fez a Camisa Verde e Branco no final dos anos 80 ao levar para a Avenida Tiradentes o tema que falava da descoberta do café. Porém, ela não se esqueceu de colocar um avião de carro alegórico, com o então presidente Sarney, em fim de mandato, em cima dele, alusão as suas inúmeras viagens ao Exterior.

 Já no Rio de Janeiro há muito tempo a Globo mudou a plástica das escolas cariocas. Ali só predomina gente bonita, tanto nas alas, quanto nos destaques. E, claro, cheio de seus artistas espalhados por diversas alas. Até na bateria ela já conseguiu colocar atores, se esforçando para tocar tamborim. Em nada lembra os desfiles da Avenida Rio Branco na década de 1960, com arquibancadas de madeira, mas de muito samba no pé, pois a comunidade era quem levava a escola. Tudo diferente hoje.

 Atualmente as escolas apresentam desfiles robóticos. Os passistas andam de um lado para outro na passarela. Poucos ousam sambar, pois a maioria nem sabe como tirar os pés do chão. Após o boxe onde a bateria estaciona para ser avaliada pelos jurados, é correria. Não existe a empolgação de antigamente. Quando as lindas meninas das comunidades carentes ou mesmo dos cortiços do centro da cidade, serviam de colírio para o público, deslizando no asfalto em belos passos de samba no pé.

 Os compositores, tanto no Rio de Janeiro quanto em São Paulo, sabiam escrever sambas enredos de melodias bonitas. Eram verdadeiras aulas de história. Quem não se lembra do enredo da Império Serrano, na década de 60, obra-prima de Silas de Oliveira descrevendo o Brasil? E a própria Portela falando do mestre Pixinguinha em 1973? E a Vai-Vai, em 1976, contando a história de Solano Trindade, maravilhoso samba enredo composto por Geraldo Filme? Um dos versos mostra como se escreve uma música: “Canta meu povo/ vamos cantar/ em homenagem ao poeta popular/Vai-Vai é o povo/está nas ruas/ saudoso poeta a noite é sua...”


 E o que dizer do samba da Camisa Verde e Branco, do início da década de 1980, falando da escravatura no Brasil, cuja letra foi obra do compositor Talismã. Num dos versos ele resumiu o preconceito racial no Brasil, que ainda continua atual: “Ele é capitão, ele é general/ poderia ser tanta coisa dentro da vida real...” Sobre crítica recheada de ironia, a escola carioca Caprichosos de Pilares marcou forte presença na Marquês de Sapucaí. O samba enredo de 1985, “O saudade, meu carnaval é você” mostrava que o errado ainda continua sendo certo no Brasil. O problema é as letras de hoje são descartáveis, iguais os sapatos de quem empurra carro alegórico...

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