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quinta-feira, 29 de maio de 2014

Excesso de liberdade faz pais reféns de filhos



Dependendo da criação, os filhos se transformam em cobras para picar os próprios pais

Luís Alberto Alves

  Desde o início da infância o filho do casal Flávio e Clara tinha problema de obesidade. O pediatra sugeriu que o garoto fizesse regime. Não poderia ingerir alimentos muito calóricos. Deveria ficar longe, inclusive de doces. Aos 5 anos ele não aceitou os conselhos do médico. Passou a gritar alto quando a mãe recusava lhe dar doces, principalmente pudins, mousses de chocolate ou bolos. Não deixava a vizinhança sossegada.

 Não obteve resultado. Mudou de tática. Quando o casal recebia visitas, o menino fazia cara de choro e se ajoelhava diante daquelas pessoas e dizia que passava fome e pedia, na maior cara de pau, dinheiro para ir ao bar da esquina se encher de doces. Apontava os dedos para os pais, acusando ambos de maus tratos, a ponto de dificultar o acesso à geladeira ou armários, onde eram guardadas as delícias que ele tanto gostava, mas o médico havia proibido para que crescesse saudável.

 Em outro caso interessante, o enfoque muda, mas persiste a chantagem de filhos quando não concordam com as regras domésticas impostas pelos pais. Júlia, aos 12 anos, era uma menina muito inteligente. Lia bastante e acompanhava o noticiário televisivo com atenção. Na escola fazia perguntas incômodas aos professores e estocava a diretora, ao perceber suposta perseguição contra ela.

 Numa das noites assistiu o telejornal falar do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), dos direitos inegáveis às pessoas de sua idade. Não demorou em provocar rebelião na sua casa. Saiu para passear e voltou tarde, quase 11h da noite. O pai, nordestino da gota serena e de sangue quente, a esperava com uma cinta ao lado do sofá. “Mocinha, essas são horas de alguém de família chegar em casa”?, questionou o velho. “O Metrô teve pane e ficamos presos no túnel entre a Praça da Sé e a Estação Liberdade”, respondendo rápido a caminho do banheiro, para tomar banho.

                                                              Rapariga
 O pai veio atrás com a cinta numa das mãos, para lhe acertar as costas em dois golpes. Foi surpreendido: “Ei! Nem ouse me agredir, principalmente sem qualquer chance de defesa. Aliás, sou uma criança, e o senhor adulto. Pode me bater, mas ainda hoje vou à delegacia registrar queixa contra o senhor por maus tratos”, retrucou. “Menina, você não é filha de quenga ou rapariga, para fazer o que der na cabeça. Na minha casa e minha família mando eu”, vociferou o velho.

 “Isto é o que o senhor pensa. Primeiro não conversou detalhadamente comigo para saber se o que lhe falei é verdade ou mentira, segundo partiu para ignorância, achando que por ser tua filha, tem o direito de fazer qualquer coisa, inclusive me machucar ou até me matar”, respondeu em alta voz, com dedo em riste. “Não to criando cobra para me picar. Sou teu pai e mando em você. Aqui nesta casa quem paga as contas somos sua mãe e eu. Até o colégio onde você estuda, o dinheiro sai dos nossos bolsos. Não venha jogar conversa fiada em mim”, devolveu o velho, tentando agarrar Júlia e lhe dar a primeira cintada nas costas, para deixar o vergão vermelho.

 Ela conseguiu entrar no banheiro e trancar a porta. Do celular chamou a polícia, dizendo que o pai tentava agredi-la e corria sérios riscos. Precisou até se refugiar no banheiro. Pelas frestas da porta, a atendente do telefone 190 ouvia os palavrões proferidos pelo pai de Júlia. Não demorou muito tempo, duas viaturas da PM encostou diante da casa de classe média, em Vila Madalena, Zona Oeste de SP.

 Quatro soldados desceram e apertaram a campainha. O velho saiu para atender com a cinta nas mãos e levou um susto. “O que vocês fazem aqui”?. O sargento se identificou e disse que recebeu denúncia de que uma garota, chamada Júlia, trancada no banheiro estava prestes a passar por uma sessão de tortura. A menina ouviu a conversa e desceu, tremendo de medo e chorando. Explicou aos policiais o motivo das ameaças feitas pelo pai e falou que corria sério risco de ter as costas marcadas pelos vergões que a cinta iria deixar. Aproveitou e mostrou a cicatriz de um beliscão que recebeu da mãe, quando tinha nove anos, por ter comido o pudim antes de chegar à mesa, numa festa de família.

                                                             Pancada
 O PM citou artigos do ECA e reforçou o argumento da menina. Que mesmo sendo pai, ele não tinha direito de agredir a filha, por mais que o motivo o levasse a tomar este tipo de atitude. Como o caso ficou apenas na ameaça, sem concretização do fato, o velho levou um sabão dos policiais e compreendeu que atualmente a educação dos filhos não pode ficar baseada na violência, como meio de impor a ordem. Mesmo sendo trabalhador, cumpridor de todas as obrigações domésticas, inclusive não deixando nunca faltar alimentação, nem roupas e calçados à menina, ele não teria autoridade ou passe livre para transformar Júlia num saco de pancada. Ela continuou saindo e voltando, às vezes, no outro dia. Pouco tempo depois saiu de casa para morar com um colega da escola. Ambos foram dividir um quarto úmido na região violenta da Baixada do Glicério, Centro de SP. Oposto do conforto desfrutado com os pais.

 Do outro lado da cidade, em Santo Amaro, bairro de Capão Redondo, a doméstica e viúva Francisca, perdeu o domínio sobre os dois casais de filhos adolescentes. Os meninos não aceitavam nenhum tipo de correção. Principalmente quando ela os chamava para conversar e explicar que não é bom andar com más companhias. Todos na faixa entre 14 e 17 anos de idade, sorriam das opiniões da mãe. “O ECA nos garante a liberdade. Nem a Polícia pode colocar as mãos em nós. São proibidos até de encostar armas em nossas cabeças”, dizia Sandro, o caçula de 14 anos. As duas meninas, Marta e Marina, há muito tempo tinham vida sexual ativa, inclusive com uma delas abortando aos 13 anos.

 Naquela casa, as opiniões da mãe eram desprezadas. O dinheiro ganho numa residência de famoso empresário de comunicação nos Jardins sumia rápido. Os quatro filhos exigiam roupas de grife e sapatos de qualidade. As meninas não aceitavam perfumes populares. Gostavam dos importados. Confundiam liberdade com libertinagem. Na escola só tiravam notas baixas, pois nunca se preocupavam com os estudos. O tempo deles era gasto nos bailes barulhentos feitos nas ruas todo final de semana, para desgosto dos vizinhos.

 Desde que Francisca perdera o esposo, o metalúrgico João, vítima de bala perdida em tiroteio na porta do banco onde fora pagar contas, sua vida não era mesma. O marido conseguia, por meio da conversa, impor respeito em casa. Exigia que os filhos arcassem com as conseqüências dos problemas que causassem. Quando comiam, tinham de lavar o próprio prato. Do contrário iria usá­lo, sujo, na outra refeição. Quando os filhos chegavam aos 11 anos, João dizia a eles que precisavam a aprender a lavar a própria roupa e passar, os preparando rumo às batalhas futuras da vida.

                                                             Liberdade
 Não era de bater, vencia pela conversa, que poderia durar horas, dependendo da traquinagem. Diziam sempre que a vida cobra a todo instante das pessoas, sejam ricas ou pobres. Insistia em dizer que somente nas novelas e filmes tudo termina bem, pois são obras de ficção. No jogo duro e às vezes sujo da nossa sobrevivência, em algumas ocasiões o honesto é visto como ruim e este é admirado como bom. Enquanto esteve no comando da casa, João manteve o quarteto de filhos na linha.
 Após sua morte, tudo mudou. A viúva Francisca, adepta do liberou geral, excedeu na liberdade e quando tentou fechar a porta, já era tarde. O descontrole tomou conta da família. Os dois meninos, já adolescentes, mergulharam nas drogas e as duas garotas gostaram da prostituição, como meio de obter dinheiro rápido e roupas de grifes. Os conselhos eram recusados, pois Francisca tinha perdido sua autoridade ao exagerar na liberdade.

 Com a maioridade dos quatro, a situação piorou. Perto dos 60 anos, ela já não tinha mais forças para enfrentar forno quente e fazer banquetes na casa do patrão, onde estava há 30 anos. Sua casa virou endereço conhecido da polícia, quando vinha em busca dos dois filhos, acusados de tráfico de drogas.  As duas jovens, aos 20 anos, embarcaram na enganosa aventura de ganhar dinheiro fácil como garotas de programa na Europa. Não mais conseguiram voltar para casa. Morreram no Velho Continente. Numa noite, desanimada, Francisca questionou Deus o motivo de tanta tragédia na sua família. Com a televisão ligada, ouviu da boca de um personagem de novela a seguinte frase: “quem ama educa”!


 Tardiamente descobriu que, sem o uso de violência, é preciso mostrar aos filhos os limites. Às vezes os pais precisam tomar decisões amargas, na visão dos filhos. Mas no futuro elas se transformarão em algo bom. É igual ao remédio amargo ou a picada de injeção dolorida, mas que resultam na cura da doença. Nunca se deve deixar a bagunça reinar na família, onde ninguém é responsável por nada. Sempre uma pessoa, seja pai ou mãe, precisa assumir a responsabilidade de administrar o lar. Do contrário o erro vai imperar e o fim de todos não será bom. Em tempo: os dois filhos de Francisca foram presos e condenados a 60 anos de prisão, pelos diversos crimes cometidos. Na cadeia de segurança máxima aprenderam, no sofrimento, a obedecer a regras. Desta vez impostas por estranhos.

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