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sábado, 12 de abril de 2014

Como as drogas destroem uma família




Iguais aos lobos, as drogas devoram a felicidade de famílias que tenham dependentes químicos

Luís Alberto Alves

 A cena logo chamou a atenção de quem passava pelo local. O jovem, bonito e charmoso, gritava, esperneava e desferia socos contra o homem, já de cabelos grisalhos, que a todo custo tentava agarrá−lo para colocar dentro do automóvel, estacionado nas proximidades. Algumas pessoas não acreditavam na cena inusitada: o filho xingando os pais, falando em alta voz que a rua era melhor para morar do que o aconchego do lar.

 Decorridos muitos minutos, a verdade começou a surgir, com a chegada da polícia. Os soldados ajudaram a segurar o rapaz e lhe perguntou se tinha vontade de se internar numa clínica para recuperação de dependentes químicos. Ele balançou a cabeça em sinal negativo. Os PMs olharam para o pai e disseram que nada poderiam fazer, pois se tratava de alguém maior de idade. Na teoria tinha condições de saber as melhores opções de vida.

 Essa triste história começou na adolescência, quando o rapaz escolheu como amizades na vizinhança da rua, usuários de drogas. Logo veio o convite: “Erva da boa, é experimentar e viajar. Sensação incrível, nunca mais você será o mesmo”, disse um falso amigo, passando o cigarro de maconha, já cheio de saliva por ter passeado por várias bocas.

 Após algum tempo, em vez da maconha, veio a cocaína, num momento de nervosismo. A primeira cheirada causou medo, mas logo surgiu a sensação de coragem, disposição e vontade de vencer qualquer obstáculo que aparecesse pela frente. O receio desapareceu. Não demorou em a biqueira entrar na sua rota de freguesia.

                                                                 Besouros
 Logo os papelotes já estavam dentro de casa, escondidos dentro do guarda−roupa. Cheirar o pó maldito era hábito todos os dias, durante várias horas. O dinheiro da mesada tinha o bolso do traficante como destino. Ficar sem usar a cocaína causava incômodo a ponto de num feriado prolongado no Litoral Norte, junto com a família, a vontade bater e sair à procura de alguma boca de droga para saciar a vontade. Espantar a coceira que tomava conta embaixo da pele e jogar para longe os besouros que começaram a voar perto de sua cabeça.

 Não passou bastante tempo até o vício ser descoberto pela família. Todos ficaram tristes, desde os primos aos avós, daquele adolescente, bonito, considerado o xodó, que o pai sonhava formado em Engenharia Espacial pelo conceituado ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica) de São José dos Campos (SP).

 Em pouco tempo dinheiro e eletrodomésticos desapareciam de sua casa para substituir por cocaína. Os choros da mãe e avó não sensibilizavam mais. Deixou de almoçar com a família aos domingos, rotina de vários anos. Os amigos de farra cederam lugar aos vapores (meninos entregadores de drogas), aos assaltantes de bancos e até homicidas. O dia perdeu o lugar para a noite.

 Passou a ficar dias e semanas longe de casa, vagando pela Cracolândia, Praça da Sé, Parque D. Pedro II, Brás, Baixada do Glicério, ou qualquer lugar onde existissem drogas. Cocaína deixou sua cadeira para o crack. O barato era queimar rápido a pedra e o alívio percorrer a espinha dorsal e viajar velozmente na louca sensação de achar que em poucos segundos poderia conquistar tudo.

                                                                Travesseiros
 A beleza aos poucos virou feiúra, os lindos dentes sem cáries passaram a ficar parecidos com queijo suíço, cheios de buracos provocados pela droga. Os 75 quilos bem distribuídos pelo corpo atraente para inúmeras meninas  do colégio, onde raramente aparecia, logo foi emagrecendo até chegar aos assustadores 40 quilos. Os cabelos pretos castanhos pareciam envolvidos em gel, mas da sujeira de dormir ao relento, com as calçadas servindo como travesseiros.

 Nada provocava mais prazer do que a pedra do crack desaparecendo no cachimbo  e a fumaça entrando pela boca e percorrendo o corpo, envenenando o aparelho respiratório. Do outro lado da cidade, num bairro de classe média alta na Zona Leste de São Paulo, o lindo sobrado de garagem espaçosa para três carros, amplo quintal e vários cômodos, os pais e o casal de irmãos, ambos estudando arquitetura na USP (Universidade de São Paulo), não entendiam qual a razão para tamanha decadência do mano caçula.

 Numa tarde de sábado, receberam telefonema avisando que ele se encontrava na Cracolândia, perto da luxuosa e badalada Sala São Paulo, onde a elite paulistana assiste aos shows de música clássica. Os pais foram rapidamente ao local. Encontraram o filho amado e tentaram trazê−lo até o carro. O jovem esperneou, começou a gritar e disse a célebre frase: “Eu não conheço vocês”.

 A mãe chorou, lembrando da época que ele era bebê, das fraldas trocadas, do seio oferecido para alimentá−lo, dos primeiros passos meio tropeçando pela casa, a entrada na escola infantil até chegar ao Ensino Fundamental e Ensino Médio. Das meninas vizinhas que a chamavam de sogra. O mundo desabou sobre a cabeça daquela mulher, de 40 anos, mas com visual de alguém de 70, por causa do sofrimento provocado pelas drogas na vida do filho caçula.

                                                                Goleadas
 O pai ficou pasmo. Não esperava ouvir frase tão violenta do menino que cansou de carregar nas costas, igual cavalinho, de jogar futebol no quintal dos fundos de casa, de vestir a camisa do saudoso Santos, da época de Pelé e Cia., verdadeira máquina de goleadas no Brasil e Exterior. Os policiais, calejados pela profissão, não se surpreenderam com a reação do rapaz. Já tinha 19 anos e pela lei sabia exatamente o que fazer da vida.

 O casal tentou levá−lo à força ao carro da família. Tudo em vão. A multidão de zumbis, dominados pelas drogas os cercaram, os PMs sugeriram sair dali rapidamente, com risco de agressões à vida de ambos. Inúmeras vezes resgataram o filho das ruas. Internavam em clínica de recuperação de dependentes químicos, mas tudo acabava no vazio. Quando chegava em casa, poucos dias depois mergulhava no terrível e maldito universo do vício.

 Essa triste e dolorosa rotina durou mais de cinco anos. O dois irmãos se formaram, arrumaram empregos nas empreiteiras que passaram a ganhar dinheiro igual água no governo Lula. A amargura reduziu a cacos a felicidade reinante naquela família. Marido e mulher passaram a ter vergonha de conversar na vizinhança. Rugas e a perda de peso atingiram ambos. Aos poucos a linda pintura daquela casa, onde a felicidade era visita freqüente, perdeu a cor, rachaduras apareceram nas paredes e pisos, ervas daninhas  ganharam espaço no quintal e até o cão labrador de vários anos morreu.


 Numa noite, o ex−presidente Fernando Henrique Cardoso apareceu em um programa de televisão, de entrevistas, dizendo que as drogas deveriam ser descriminalizadas. A população precisava entender, segundo ele, que não há mais espaço para se demonizar os entorpecentes. A liberalização iria enfraquecer os traficantes e mandá−los rapidamente à cadeia. Distraídos, os dois não ouviram a campainha tocar várias vezes. Era a polícia. A dupla de PMs veio comunicar que o filho amado do casal, refém da cocaína e crack durante vários, fora encontrado morto na calçada de uma igreja evangélica. No seu bolso estava o endereço de sua casa e a foto amarelada da mãe que tanto amou, mas o vício a fez odiar.

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