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terça-feira, 22 de julho de 2014

A agonia de procurar um dependente químico nas ruas




Ônibus da Guarda Civil Metropolitana, de São Paulo, parado na Cracolândia, onde drogas transformam vidas em farrapos

Luís Alberto Alves

 Durante alguns dias o editor deste blog, Luís Alberto Alves, sentiu na pele o desespero de procurar um dependente químico pelas ruas de São Paulo. Com nomes fictícios para preservar a família do jovem desaparecido de casa há 30 dias, a saga começa pela Baixada do Glicério, região central da cidade, a poucos metros da estação Dom Pedro do Metrô. Antes eles fizeram varreduras em hospitais e necrotérios. Nada encontraram.

 Ainda fazendo bastante calor, acompanhei os familiares da vítima desta terrível droga chamada crack. O carro anda em marcha lenta para facilitar a visualização de adolescentes, jovens e adultos, maioria homens, reunidos num terreno baldio embaixo de dois viadutos que terminam na Avenida Rangel Pestana.

 Iludidos pela rápida sensação de alívio proporcionada pelas pedras deste entorpecente, eles não se incomodam mais com a sujeira do local onde dormem, urinam e defecam. O forte odor arde as narinas. Semelhantes a zumbis, o olhar perdido fixam em mim e nos parentes da pessoa desaparecida.

 Após alguns minutos saímos e entramos nas ruas da Baixada do Glicério, bairro dominado pelo crime organizado. Perto da igreja católica e do quartel do Corpo de Bombeiros daquele bairro, se misturam haitianos e africanos. Nas mãos de alguns deles é possível ver papelotes de cocaína e pedras de crack.

                                                           Prazer

 De vidros erguidos, passamos novamente em marcha lenta até encontrar uma rara blitz da PM no local. De arma na mão, o soldado nos olha assustado e entramos em outro beco. Nada encontramos. Apenas mais miséria e farrapos humanos sentados nas calçadas interessados apenas na próxima carreira de cocaína ou fumar a minúscula pedra na busca do prazer que rapidamente passará.

 Entramos no bairro do Cambuci e subimos a rua que atravessa a Avenida Conselheiro Furtado. Outra cena horrível: vários homens e algumas mulheres, imundos, inclusive com os cabelos sujos, se drogam livremente. Devagar olhamos cada um deles, mas quem procuramos não se encontra ali.

 Após alguns minutos já estamos na Cracolândia, no quadrado formado pela Praça Júlio Prestes, Largo Coração de Jesus e Praça Princesa Isabel e antigo prédio do Deops, temível lugar onde muitos presos políticos foram torturados e mortos durante o Regime Militar. Ali a miséria humana aparece de forma assustadora. De bermudas ou sem camisa, os viciados não têm nenhuma preocupação com os policiais da Guarda Civil Metropolitana montando guarda ao lado do ônibus da corporação.

 Paramos o carro, olhamos atentamente para cada homem ou mulher. O casal, pai do dependente químico desaparecido, averigua cada detalhe, mas infelizmente nada de positivo acontece. Apenas decepção após várias horas rodando por diversas ruas da capital paulista sem obter nenhum resultado positivo.

                                                           Periferia

 No dia seguinte o itinerário muda. Em vez do Centro, deslocamos para a periferia de Santo Amaro. A busca começa no início da tarde e termina após a meia­noite. Andamos em marcha lenta por praças e ruas estreitas daquela região. A mesma cena volta a se repetir, com inúmeros drogados, de olhar perdido e quase sem vida, alojados nos bancos, interessados apenas no prazer maligno do entorpecente.

 O casal tenta aparentar calma, mas é visível nos gestos e tom de voz o nervosismo e tensão. Cada pessoa sentada ou deitada na porta de estabelecimento fechados ou mesmo abandonados pode representar o alívio daquela busca. O cansaço chega rápido, por causa das subidas e descidas em ruas esburacadas e algumas sem boa iluminação.

 São horas olhando em diversas direções, com a boca seca castigada pela sede e a fome torturando o estômago. Num contato feito com Pms de uma base, a resposta de estímulo é humilhante: “distribua a foto, porque um pai fez isto nos quatro anos de procura do seu filho”. De forma subliminar o policial está dizendo que será difícil encontrar o desaparecido.

 Mas o pior estava por vir, quando nos deparamos com um homem, aparentando mais de 30 anos, que dizia saber onde se encontrava a pessoa que estávamos procurando. Dopado ele falava palavras desconexas. Nos levou a uma casa, ponto de venda de drogas. A pessoa não estava lá.

                                                         Madrugada

 Paramos, numa praça, de madrugada, e começamos a conversar com o suspeito. Transpirando bastante, tenta nos levar para outro ponto de droga. A proposta é recusada por ser local muito perigoso. Os nervos dos pais da pessoa desaparecida estão à flor da pele. Nesta hora, o sono, fome, sede e cansaço castigam o corpo. A mente não consegue mais decodificar facilmente todas as informações.

 Logo descobrimos outros locais, em bairros próximos ao Aeroporto de Congonhas, Zona Sul paulistana, que passa a esperança de encontrar o dependente químico tão procurado por todos nós. Mas o sono e as dores no corpo nos vencem e retornamos cada um para sua casa.

 Quando se vai atrás de alguém sumido por causa das drogas, qualquer ligação que chega ao celular é vista como tábua de esperança. Assim como pessoa que tenha traços parecidos ou mesmo jeito de caminhar. Por maior que seja a dificuldade, a esperança acaba ganhando destaque. No início de cada busca, a mesma frase aparece na boca: “hoje, com ajuda de Deus, vamos ter bom resultado”.

 Na busca pelo veneno que proporciona pouco tempo de prazer, descobri que os dependentes químicos viram andarilhos. Saem da Zona Norte e vão à Zona Sul ou do Oeste para Leste. Não dormem durante a noite. Reserva este período para se entupir de entorpecentes. Não raro sofrem overdose. Procuram cochilar no começo da manhã.

                                                       Mentira

 Para conseguir dinheiro mentem bastante. Entram nos ônibus, para pedir dinheiro. Inventam história de que a mãe ou pai está doente e precisa daquele valor para comprar remédio. As mulheres repetem o mesmo gesto. Tudo é válido para garantir a compra da pedra maldita. Entre os drogados nunca falam seus nomes verdadeiros, mas utilizam apelidos.

 As pontas dos dedos ficam escuras por causa das queimaduras ao segurar o cachimbo, feito de lata de bebida onde a pedra do crack é acesa. Os dentes, dependendo do uso prolongado, começam a apodrecer rapidamente. Aos poucos a dignidade some. As roupas ficam sujas, os pés escurecem com o pó do asfalto, o corpo passa a exalar mau cheiro de urina e fezes.

 O estágio final de alguém mergulhado no vício do crack é trágico. Numa das vezes me deparei com uma jovem diante da Catedral da Sé, maltrapilha, descalça e bem magra. Logo ouvi alguém dizer: “essa menina era linda quando chegou aqui. Princesa. Agora virou farrapo, lixo. Ninguém nem mais olha para ela”.

 Como profissional de imprensa, onde estou há 30 anos, percebi o quanto é difícil para os pais de alguém drogado suportar a maratona de  carro ou a pé, aquele ente querido seqüestrado pelo vício. A tortura do telefone celular não tocar trazendo a boa notícia ou mesmo a porta da casa se abrir, com ele retornando para ficar e nunca mais sumir. Infelizmente a droga castiga profundamente o dependente químico e seus familiares.




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