Jovens negros são sempre "suspeitos" em estabelecimentos comerciais |
Luís
Alberto Caju
Todo governante brasileiro gosta de dizer nos
discursos que existe igualdade neste país, principalmente em termos judiciais.
Mas quando começamos a observar atentamente percebemos que na realidade temos
um regime de apartação (do latim partire, significando dividir em partes,
servindo de base no idioma africâner para se transformar na palavra apartheid
na África do Sul).
Apartação consiste em separar as pessoas por
classe, como o odioso governo sul-africano fez durante décadas e contra o qual
lutou muitos anos, inclusive na prisão, o líder pacifista Nelson Mandela.
Poucos percebem a sutileza utilizada na apartação. O governo classifica a
população, segundo ele por métodos econômicos, com base na remuneração
salarial. Caso ganhe x salários mínimos é população de baixa renda, depois
classe média baixa, classe média média, classe média alta até chegar ao topo da
elite.
O censo do IBGE (Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística) elabora os questionários de pesquisa com base na
apartação. Se o entrevistado tem determinado número de eletrodomésticos
(geladeira, televisores, computadores, máquinas secadora e de lavar roupas),
quantidade veículos, de banheiros no imóvel e total de cômodos, logo receberá
uma classificação, acompanhado do nível de escolaridade.
Por meio desse mecanismo o cidadão é separado
do restante da população, “ganhando” o rótulo de classe média ou população de
baixa renda. Para o leitor compreender melhor essa temática sugiro a compra do
livro “O que é apartação – o apartheid social brasileiro”, publicado em 1993
pela editora Brasiliense, na série coleção Primeiro Passos.
Esse conceito está em desenvolvimento no
Brasil provocando a separação entre grupos sociais. Onde o valor do salário
inclui ou exclui alguém de um determinado seguimento, não importando sua cor,
sexo ou escolaridade. Em São Paulo há uma associação composta de pessoas de
grande poder aquisitivo. Para entrar nesse clube, que funciona na riquíssima
região dos Jardins, Zona Sul paulistana, não basta ter muito dinheiro no presente.
É preciso que os antepassados (pais, avós e bisavós) já fossem milionários.
Sangue
da tradição
Privilegiam apenas futuros associados, cuja
riqueza está presente na família há diversas décadas e tenham o sangue da
tradição. Deixam bem claro, por meio dessas regras, que novos ricos ainda,
segundo eles, mantém a pobreza na árvore genética. Por meio desse recurso vão
procurar deixar de fora os pretendentes que desde o começo do século passado
estavam fora do círculo da elite endinheirada. Seguindo esse raciocínio, o
craque Neymar, parceiro de Messi no Barcelona, nunca será sócio dessa entidade,
mesmo que ganhe milhões de dólares por ano. Porque seus antepassados eram
pobres.
O fenômeno da apartação marca presença na
Justiça, onde a Constituição informa que todos são iguais perante a Lei, quando
na realidade uma minoria é mais igual que os outros. Mesmo cometendo graves
crimes, nunca sofrem qualquer tipo de condenação. Os políticos têm direito assegurado
de foro privilegiado, enquanto o cidadão comum, caso furte um frasco de xampu
num estabelecimento comercial, sofre todo o rigor dessa mesma Lei, o jogando no
presídio.
É como se inúmeras pessoas estivessem dentro
do estádio de futebol para participar do almoço coletivo. Porém o acesso ao
local é estipulado por determinadas regras: não entram descalços, esfarrapados,
cidadãos sem tomar banho, menores de idade, bêbados ou alguém que esteja sob
efeito de qualquer tipo de drogas, mulheres trajando roupas muito curtas etc.
Neste evento todos podem ir, desde que obedeçam às regras impostas pelo
promotor deste gigantesco almoço.
Mesmo exemplo é aplicado à seleção para
contratação de funcionários por uma empresa. O número de vagas será preenchido
desde que os candidatos tenham determinado nível de escolaridade, falem dois
idiomas, sejam pós-graduados, tenham até tantos anos de idade e dominem a
ferramenta tal que mostra a experiência naquela função. Essas regras dizem
claramente que candidatos fora do perfil serão ignorados. Neste caso, a opção é
da empresa visando encontrar o melhor trabalhador para contratá-lo.
Quando se trata de uma nação, o problema é
mais sério, pois o governo utiliza esses mecanismos para não atender parcelas
da população, que se encontram na esfera mais baixa da economia. Sem resolver a
questão, centra fogo nos de quesitos elevados. Exemplo disso ocorre na divisão
do policiamento.
Iguais
perante a Lei
Os bairros onde residem grandes empresários,
artistas, atletas e políticos são bem atendidos pelas forças policiais a
qualquer hora do dia. Nessas regiões alguém dentro de um carro popular,
estacionado durante a noite numa rua ou avenida, logo é abordado e precisa
justificar, por meio de documentos, que não é criminoso. Na periferia, essa
tática é pouco utilizada.
Este detalhe revela que nem todos são iguais perante
a Lei; visto que o rico é privilegiado em detrimento do pobre. Os serviços
públicos nos bairros ocupados pela elite funcionam perfeitamente, inclusive com
suas ruas e avenidas dotadas de bom revestimento asfáltico, ao passo que nas
regiões onde prolifera população de baixa renda ou pobres, os buracos são
comuns, por causa do uso do asfalto de péssima qualidade.
A apartação é aplicada, também, no transporte
coletivo. As empresas utilizam veículos em bom estado de conservação nos locais
onde é grande a presença de pessoas com elevada remuneração, mesmo que elas
nunca usem esse tipo de transporte. Até motoristas e cobradores são de perfis
adequados para essa região. A maioria dos ônibus tem motores na parte traseira,
reduzindo sensivelmente o barulho no seu interior.
Já na periferia, onde é grande a concentração
de brasileiros que ganham baixos salários, e muitos não dispõem de condições
financeiras para comprar um automóvel, mesmo a prazo, os ônibus apresentam
péssimas condições de conservação, os motores ficam ao lado do motorista,
colaborando para um ambiente barulhento, além de a empresa colocar nestes
locais funcionários de “pavio curto”, que tratam os passageiros de forma
brusca.
Este detalhe deixa bem claro que perante o
governo, a população não recebe tratamento igual. O dinheiro e a posição política
são os grandes divisores de água, reforçando a tese que o apartheid silencioso
está implantado há muito tempo no Brasil. Seus tentáculos atingem vários
setores da nação, revelando que a minoria continua detendo o melhor produzido
no País, deixando as migalhas para os sem dinheiro e influência política e
social. Até no cemitério o rico não é igual ao pobre, pois ele é sepultado em
locais ajardinados e bem cuidado. Enquanto na periferia, são comuns nestes
locais de descanso eterno, túmulos depredados e sepulturas cobertas de ervas
daninhas.
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