A moradora de rua deitada no jardim desmente a frase escrita na mureta |
Luís
Alberto Alves
A hipocrisia é a marca registrada da nossa
sociedade. Várias pessoas usam capa de bondade, mas o coração está cheio de
maldade. São como, disse Jesus Cristo, túmulos: bonitos por fora e repleto de
impurezas por dentro. Interessados por marketing, artistas, atletas e até
alguns empresários aparecem nas entrevistas ostentando a pose de simpatizantes
da redução das desigualdades, ainda marcantes no Brasil. Tudo mentira.
Em várias conversas mantidas por mim com
moradores de ruas, descobri que gangues de filhinhos de papai saem pela
madrugada, talvez no retorno das suas intermináveis festinhas, agredindo
mendigos que dormem nas calçadas ou mesmo no gramado das praças. Alguns usam
spray de pimenta para borrifar nos olhos daqueles que foram adotados pela
miséria.
Como estamos na época do politicamente
correto, virou chavão personalidades famosas fazendo discursos bonitos, alguns
tão intensos que tocam o coração, ajudando as lágrimas a escorrer dos nossos
olhos. Caímos na ilusão de que o mundo está ficando bom. Engano! Ele continua
cada vez pior.
Há poucos meses vestimos roupas surradas e
calçados sujos e ficamos sentados nas escadarias da Catedral da Sé, um dos
pontos turísticos de São Paulo. Eu e minha noiva sentimos na pele o peso da
discriminação. Juntos e de mãos dadas, as ditas pessoas do bem saiam do
interior da igreja e procuravam ficar distantes de nós. Nenhuma se aproximava.
Logo um clarão se instalou no local onde estávamos.
Percebi que as histórias dos moradores de rua
não são obras de ficção. Pior é acontecer algo assim para alguém que acabou de
sair de um tempo onde acabou de ouvir a Palavra de Deus. Hipocrisia. Ali dentro
todos são cordeiros, porém ao voltar para o mundo exterior, os lobos mostram as
garras.
É fácil pregar o amor aos amigos, sentados
numa mesa de bar repleta de bebidas e deliciosos salgadinhos. Difícil é fazer o
mesmo com aqueles ignorados pela vida ou mesmo azar de parar nas ruas após
perder a família ou mesmo a razão para viver. São pessoas sujas pela poeira e
fumaça dos escapamentos dos carros, das roupas que não conseguem lavar
regularmente e do lixo, onde passam a procurar o sustento.
É lindo o apresentador de televisão gritar que
é contra os maus tratos praticados contra mendigos, mas que dentro de sua casa
é verdadeiro carrasco no relacionamento com seus empregados, os sujeitando a
estafantes jornadas de trabalho, sem direito a folgas no final de semana.
Mais constrangedor são personalidades famosas
não praticarem o que falam nas entrevistas. Afinal de contas vivem num mundo
onde a palavra miséria é insulto e fome é palavra criada por agitadores
interessados na adoção de regime totalitários.
A imagem real das ruas desmente que o Brasil
seja um país sem discriminação. Mentira. Ela existe. A moradora de rua deitada
numa praça, esquina das ruas Tomaz Carvalhal com Cubatão, Paraíso, região da
ainda endinheirada Avenida Paulista, desmente a frase escrita na mureta.
Quando fiz essa foto,
várias pessoas olhavam de seus carros luxuosos para mim, que numa manhã de domingo
me preocupei com aquela pobre mulher. Um casal passou por mim a passos rápidos,
tentando sair rapidamente do local. Para eles, a mendiga era apenas um “lixo”.
Talvez em suas mentes, eu estaria fazendo algo completamente inútil.
Na cabeça deste tipo de gente, morador de rua
polui a imagem da cidade. Precisariam ser retirados para locais distantes. São
vagabundos. Alguém que pensa assim nunca se preocupou em ouvir as histórias
dessas pessoas. Quais motivos os levaram para distantes de suas casas e até o
abandono de suas famílias. Como solução, adotam a triste limpeza adotada por
Hitler antes da Segunda Guerra Mundial: matar.
Cada vez que passamos diante de um mendigo e
sentimos nojo dele, estamos alimentando em nosso coração o desejo de uma
sociedade livre de impurezas. Inconscientemente adotamos o discurso raivoso de
que os desiguais devem ser banidos da terra. Para isso a máscara do amor
continua guardada na bolsa ou na roupa cara de grife, usada em ocasiões
especiais, onde as garras de lobo ficam escondidas. Sociedade hipócrita! Cada
vez mais se parece com os túmulos de cemitério: lindos por fora e imundo por
dentro!
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