Os dois torturadores, Molina e Malhães, estiveram envolvidos na morte e desaparecimento de Rubens Paiva |
Luís Alberto
Alves
“Não se deixe enganar: de Deus
não se zomba. Pois o que o homem semear isso também colherá..”. Livro de
Gálatas, capítulo 6, versículo 7. Parece que esta palavra se cumpriu em relação a dois torturadores da
época da ditatura militar no Brasil. Em 2013, o coronel da reserva Júlio Miguel
Molina Dias, 78 anos, levou 15 tiros quando chegava à casa onde morava em Porto
Alegre (RS). Os autores do crime foram dois PMs. O objetivo da dupla era a
coleção de armas de Molina.
Na casa dele a polícia encontrou
documentos comprovando a entrada do exdeputado Rubens Paiva, preso político,
no temível DOI/Codi (Departamento de Operações e Informações/Centro de
Operações de Defesa Interna), no Rio de Janeiro. Molina foi chefe deste braço
do regime militar usado para torturar e matar opositores. Paiva entrou vivo
ali, em 20 de janeiro de 1971, e até hoje continua desaparecido.
Documento encontrado na casa do torturador Julio Molina em Porto Alegre (RS) |
Na quinta-feira (24) passada,
outro envolvido com diversos crimes cometidos contra presos políticos foi
executado, no sítio onde morava, em Nova Iguaçu, Baixada Fluminense, Rio de
Janeiro. Três supostos bandidos entraram na residência e ali ficaram oito
horas. Amarraram a viúva do coronel da reserva Paulo Malhães, 76 anos, e o caseiro.
O militar confessou em depoimento
à Comissão da Verdade, no mês passado, a morte de vários militantes
durante a década de 1970, auge do terror da ditadura militar. Disse que para
dificultar a identificação das vítimas, que eram levadas para Petropólis (RJ),
no centro conhecido como casa da morte, quebrava todos os dentes e cortava os
dedos dos torturados e desaparecia com os corpos. Ele teria sumido com o corpo
de Rubens Paiva.
O coronel da reserva, Julio Molina, foi chefe do DOI/Codi no Rio de Janeiro |
Esses dois casos revelam que as
Forças Armadas mentem ao afirmar não terem informações sobre o paradeiro de
presos políticos durante regime que vigorou entre 1964 e 1985. Vários militares,
a maioria oficiais, hoje na faixa dos 70 anos, sabem onde estão enterradas as
vítimas que perderam as vidas nos centros de torturas abertos em várias regiões
do Brasil. Documentos encontrados na
casa de Molina é outra prova do arquivo paralelo criado pelos oficiais, talvez
com a concordância do próprio comando da época, visando dificultar o encontro
de qualquer prova envolvendo a morte e sumiço de presos políticos naquela
época.
Infelizmente, mesmo em plena
democracia, e passados 29 anos, o governo teme confrontar as Forças Armadas,
exigindo dos atuais militares que estão na linha de frente, a entrega de todos
os documentos revelando o paradeiro de inúmeras pessoas que entraram vivas no
DOI/Codi e nunca mais foram vistas. Nesta teia de aranha sinistra estão envolvidos,
também, médicos legistas que fizeram autópsia nos torturados, comprovando as
causas da morte deles.
O torturador e coronel da reserva Paulo Malhães em depoimento à Comissão da Verdade em março |
O demagogo e criminoso Harry
Shibata, acusado de colaborar com a ditadura, fazendo laudos médicos falsos,
acabou cassado pelo Conselho Federal de Medicina, mas ele não foi o único.
Terminou como boi de piranha, assim ocorreu com seu colega de profissão,
Amilcar Lobo, médico que auxiliava os torturadores indicando se o preso tinha
condições de suportar mais maus tratos, até trazer as informações que os
militares exigiam.
A lei da anistia infelizmente
livrou policiais e oficiais das Forças Armadas de apodrecerem na cadeia, como
ocorreu na Argentina e Chile. Não responderam pelos crimes cometidos, usando o
Estado como escudo. Sequestraram, ocultaram cadáveres e tudo acabou esquecido.
Mas passados tantos anos, a lei do retorno começa ser aplicada sobre vários
deles. É a macabra colheita de quem plantou ódio e agora colhe a morte, até de
forma trágica. O torturador Paulo Malhães, de acordo com a Polícia Civil, teria
morrido asfixiado. Talvez nessa hora ele sentiu a mesma dor que adorava fazer
aflorar em suas inúmeras vítimas quando era um dos cartões postais da Ditadura.
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