Luís
Alberto Alves
Quarta-Feira de Cinzas nublada e provavelmente
com muita chuva durante o transcorrer do dia. Este é o final do sonho da folia
de Carnaval iniciada na sexta-feira (28). A maioria das pessoas que mergulhou
nesta “piscina” de suposta alegria procurou sufocar as dores diárias e até
foram em busca dos inebriantes minutos de fama. A chance de aparecer na
televisão sem pagar e chegar às casas de milhões de brasileiros e até
estrangeiros que ainda encontram paciência para assistir algo que não traz
qualquer tipo de conhecimento.
A modelo Dani Sperle trocando de roupa no Sambódromo do RJ |
É a busca pela fama que faz uma mulher, como a
modelo Dani Sperle, ex-namorada do problemático jogador de futebol Adriano,
atualmente no Atlético/PR, e do ator Alexandre Frota, aparecer nua na
concentração do Sambódromo, Rio de Janeiro, na segunda feira (3), para vestir a fantasia e desfilar.
Outras se jogam nos braços de jogadores, atores e empresários visando encontrar
o porto seguro financeiro, talvez numa suposta gravidez, garantindo durante 18
ou 21 anos pensão para o filho gerado por interesse.
O Carnaval tem a imensa capacidade de iludir.
Nos cinco dias de folia (Na Bahia a festança dura mais) meninas tímidas revelam
a personalidade oculta da perversão e até da prostituição. Algumas, daqui a
nove meses, se tornarão mães de filhos que o pai nunca conhecerá. É como se
essa festa adormecesse a mente e as distâncias sociais e econômicas virassem
fumaça. A patricinha, que no dia a dia sente nojo de empregados domésticos e
até do porteiro da faculdade onde vai comprar o diploma e saciar o ego dos
pais, sentirá prazer ao lado do ritmista musculoso, que fora da escola de samba
ganha a vida como trabalhador braçal ou mesmo no transporte de carga.
Suspeita
da discriminação
As loiras sejam nos blocos de ruas ou dentro
dos Sambódromos espalhados pelo Brasil, vão se atirar nos braços dos negros e
até saciar a vontade, que na maioria dos meses do ano não ocorre, de estar ao
lado deles sem a suspeita da discriminação. Fora do Carnaval é muito raro uma
mulher loira, bonita, de braços dados com um homem da pele escura; exceção se
ele for pagodeiro, jogador de futebol ou vôlei. Mas durante a festança que
invade o Brasil nesta época do ano tudo é liberado. Até sentir prazer por
alguém, que diariamente a pessoa tem nojo.
Numa democracia de fachada, o grã-fino aceita
sem crítica desfilar ao lado do pobre, usando o mesmo tipo de fantasia. A
patroa, que nos 11 meses e meio do ano pisa na empregada em jornadas que
ultrapassa às 18 horas diárias, ficará alegre junto com ela, tentando cantar o
samba enredo da escola e requebrar, em busca dos seus segundos ou minutos de
fama.
Os políticos, como sempre acontece, marcarão
presença nos camarotes regados a bebidas alcóolicas, algumas importadas, e
quitutes que nunca aparecerão na mesa do pobre. Não sentirão vergonha de sair
do aconchegante posto e beijar a bandeira da escola que estiver passando por
ali. Nessa hora parece que as diferenças ideológicas desapareceram. Todos estão
no mesmo barco. O corrupto ao lado de quem adora fazer discurso moralista. O
importante é esquecer o Brasil real e desfrutar das ilusões despejadas pelo
Carnaval.
Mudança
de postura
Até a polícia muda de postura. O negro
perseguido durante a maior parte do ano não é incomodado. Perde a aura de
suspeito que carrega, seja trabalhador ou honesto. Mesmo na concentração ou
perto do banheiro dos bailes fechados, como ocorre no Rio de Janeiro, nada leva
os policiais a agir de forma brusca. O criolo de trança rastafári, sempre
parado nas temíveis blitz da madrugada, tem a liberdade de dançar e cantar
nesses cinco dias de festa. Só os excessos são coibidos, para não passar a
imagem de falta de lei.
A televisão, que só exibe brancos e loiras no
comando de novelas, programas de auditórios, reality shows e filmes, abre
espaço para comentaristas negros falarem sobre as qualidades positivas ou
negativas das escolas de samba. É quando o Brasil real aparece nos milhões de
televisores. O País que vemos todos os dias nas ruas, emprego, escola
(principalmente as públicas), filas de hospitais e feiras livres. A nação onde
é gigantesca a miscigenação, mostrando a riqueza de cores do encontro dos
negros livres, entre aspas da escravidão senzala e presos na miséria da favela,
imigrantes, invasores (já existiam pessoas no Brasil, quando os portugueses
aqui chegaram) e índios.
Nesta época do ano o samba não é visto como
música de periferia ou de bagunceiros (como pensam alguns veículos de
comunicação). Apesar de que as atuais letras das músicas que embalam as escolas
no Carnaval ficaram muito pobres. O batuque é liberado. Poucos torcem o nariz.
Até os roqueiros de plantão entram na folia. Porém, tudo tem um porém, o sonho
permanece enquanto existe sono. Chega a hora de acordar e voltar à realidade.
Do Brasil real, das grandes diferenças sociais e econômicas.
Burro
de carga
É preciso retornar ao país que trata a
população como se fosse burro de carga, principalmente com a cobrança de mais
de cem impostos, entre diretos e indiretos. Arrecada bilhões de reais e devolve
ninharia no investimento em Segurança Pública, Saúde, Educação e Transporte. Da
triste realidade de um Judiciário doutrinado apenas na punição de pobres,
pretos e prostitutas. Que livra os filhos de milionário ou bilionário da cadeia,
mesmo quando atropelam pessoas no acostamento de rodovias, ignora políticos e
empresários da prostituição com menores no Amazonas.
A Quarta-Feira de Cinzas traz a dura realidade
do hospital público abarrotado de pacientes em busca de atendimento por
funcionários que ganham baixos salários e sofrem com a falta de equipamentos e
boas condições de trabalho. O retrato cruel de um transporte público onde o
povo é espremido igual sardinha dentro de ônibus, trens ou metrôs. Cobram
tarifas caras e oferecem serviço de péssima categoria. Empresas dominadas por
carteis e devedoras de milhões aos cofres da Previdência Social, mas inexplicavelmente
tratadas como copos de cristal pelo governo.
A volta dos dias chuvosos, pois as águas de
março representam o final do Verão, provocando enchentes em diversas cidades e
deixando no prejuízo inúmeras famílias. Dos velhos problemas da falta de
segurança, obrigando a população a fechar a boca para os simpatizantes do mal,
que a cada dia tomam conta das nossas ruas. De não saber qual o preço do
feijão, arroz, carne, verdura, tomate ou fruta quando voltar ao supermercado
para fazer compra. Da realidade que o Carnaval nunca mudará: a pobreza de
espírito existente no corpo de quem procura sossego onde só há tormento e falsa
sensação de bem-estar. Bem-vindo ao Brasil que você saiu no dia 28 de
fevereiro.
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