Nos Pancadões, erroneamente chamados de Funk, adolescentes dançam em poses sensuais |
Luís Alberto
Caju
O Brasil enfrenta atualmente uma guerra de
desinformação musical. Há poucos anos a mídia do País passou a classificar de
Funk Music a barulheira que nasceu nos morros da cidade do Rio de Janeiro. Em
muitos casos bailes promovidos pelo crime organizado e venda farta de drogas,
aliada a prostituição de crianças e adolescentes.
É comum pseudo críticos associarem essa Trash
Music, composta apenas de um acorde, percussão barulhenta e letras carregadas
de palavrões, elogios a facções de bandidos e ofensas à moral e bons costumes,
ao Funk legítimo nascido nos Estados Unidos no começo de 1960.
Quem nunca estudou música desconhece que ela é
influenciada pela matemática. Neste caso, por causa dos compassos responsáveis
pelo número de notas por tempo. Esse detalhe aparece na partitura após a clave
de sol, usada para instrumentos de cordas.
O Rock, por exemplo, é compasso 4x4, com quatro
notas tocadas em quatro tempos; no Samba duas notas em quatro tempos, no
compasso 2x4; o Blues tem 12 notas por oito tempos, em compasso 12x8.
Filho sem espermatozoide
Quem
já teve o prazer e competência de tocar em estúdio sabe que a regra matemática
dos compassos comanda qualquer gravação. O maestro liga o manômetro
(instrumento medidor dos compassos da música) e em cima dele é que sai a batida
na guitarra, violão, cavaquinho, violino, banjo, contrabaixo, piano, órgão,
instrumentos de sopro e até da bateria.
Não existem meios de se fazer música sem
passar pelos compassos. É como tentar gerar um filho sem espermatozoide e
óvulo. Ou fazer omelete sem quebrar os ovos.
Do
início dos anos 2000 em diante a House Music, surgida nos Estados Unidos na
década de 1980, com ênfase em canções de forte apelo erótico aliado a batidas
repetitivas de contrabaixo e bateria, ganhou adeptos no Brasil.
O ritmo surgido na Flórida acabou ganhando o
nome de Funk nos bailes realizados no Rio de Janeiro, principalmente por
equipes como a Furacão 2000. O mesmo esquema se repetiu com letra repletas de
palavrões, elogios ao crime organizado, e danças bem sensuais, algumas até
insinuando relação sexual, com as meninas colocando a língua para fora em
movimentos lentos ao redor da boca.
Joseph Goebbels
É
neste trecho que começa a confusão, inspirada na filosofia do nazista Joseph
Goebbels, responsável pela propaganda do nazismo, que dizia categoricamente: “A
mentira quando repetida várias vezes torna-se verdade”. Talvez por
desinformação, alguns artistas e críticos musicais passaram a vender a ideia
que a House Music é Funk. Bateram tanto nesta tecla que vários programas de
televisão já incorporaram essa mentira as suas reportagens.
No
mundo da música existem regras que nunca são quebradas. Os gêneros da Black
Music (Soul, Rock, Blues, Reggae, Jazz, RAP, Sharm, Bossa Nova) têm
particularidades que jamais mudam. Eles não surgem do nada. A matriz de todas
está baseada no Blues, gênero musical já existente nos Estados Unidos na época
da escravidão, antes do século 19.
Ao lado do Gospel, o Blues está na raiz de
todos esses ritmos que mudaram a indústria da música nos Estados Unidos e em diversos
outros países. Da mistura de Country (música sertaneja norte-americana) com
Blues surgiu o Rock no final da década de 1940; do Soul, Blues e Calypso saiu o
Reggae no final da década de 1950, na Jamaica; do Blues, mais Gospel e Jazz
veio o Soul na década de 1940.
Do Blues mais o Gospel nasceu o Sharm na
década de 1970; do Gospel mais Blues saiu o Jazz na década de 1920; do Jazz,
mais Soul e Rock veio o RAP no final da década de 1970; do Samba mais o Jazz
nasceu a Bossa Nova no início da década de 1960, no Rio de Janeiro. Notem que
na maioria dos gêneros musicais o Blues está incluído. No caso do Pancadão,
denominado erradamente Funk no Brasil, ele não se faz presente, como ocorre com
Funk verdadeiro nascido nos Estados Unidos.
Escala pentatônica
Em
gíria de estúdio se diz que o guitarrista que toca Blues, pode se aventurar em
qualquer gênero que acaba se saindo bem. O Blues é tocado com escala
pentatônica. Ou seja, o conjunto de todas as escalas é formado por cinco notas
ou tons, em vez de sete, como ocorre na escala diatônica, com sucessão de
intervalos das notas de semitons e tons.
Na escala diatônica, o músico tem a liberdade
de usar sete notas ou sete tons para acompanhar uma canção, enquanto na escala
pentatônica, esse número cai para cinco. Com duas notas a menos, o instrumentista
que toca Blues, precisa repetir o mesmo acompanhamento.
Trazendo este exemplo para o futebol, é como um time de futebol com cinco
jogadores repetir o mesmo desempenho de uma equipe com sete atletas, sem deixar
a qualidade da partida ficar ruim. Geralmente quem conhece Blues, tem grande
domínio de música, conhece partitura e sabe onde estão as notas graves e agudas
no instrumento, em diversas oitavas.
Por exemplo: na corda Si do violão (a segunda
corda de baixo para cima), a primeira nota é C (Dó), depois ela se repete mais
a frente, na mesma corda, porém com som mais agudo na 13ª faleta (espaço onde
existe cada nota no braço do violão, separada por pequenas e finas barras de
metal) do violão. Assim se repete em outras cordas.
Matemático Pitágoras
A
escala pentatônica surgiu na China, quando foram reunidas as divisões melódicas
propostas pelo matemático grego Pitágoras. Segundo ele, se uma corda gerava
determinada nota e fosse dividida ao meio, geraria a mesma nota, porém uma
oitava acima (se repetia em outro espaço do instrumento), ou dividida em três
gerando outro intervalo harmônico, de forma sucessiva.
A escala pentatônica desenvolvida por
Pitágoras era gerada em seis intervalos: B (SI), C (Dó), D (Ré), E (Mi), G (Sol) e A (Lá).
Porém, a proximidade da nota B (Si) para C (Dó) era intensa e quando tocadas
juntas geravam dissonância. Dai ele retirou a nota B (SI), surgindo a escala de
cinco tons. Numa escala pentatônica maior em C (Dó), seriam esses acordes a ser
tocados: C (Dó), D (Ré), E (Mi), G (Sol) e A (Lá).
Enquanto
na escala diatônica, o músico tem sete graus e intervalos, conhecidos como Dó
(1º), Ré (2º), Mi (3º), Fá (4º), Sol (5º), Lá (6º), Si (7º) e repetindo Dó,
como 8º na primeira oitava. Esses sete intervalos são conhecidos como Primeira,
Segunda, Terça, Quarta, Quinta, Sexta, Sétima e Oitava. Têm como função na
escala: tônica, supertônica, mediante, subdominante, dominante, superdominante,
sensível e tônica oitavada.
Na escala pentatônica, a usada para tocar
Blues, se usa cinco graus: Dó (1º), Ré (2º), Mi (3º), Fá (4º) e Sol (5º). Os
intervalos serão: Primeira, Segunda, Terça, Quarta e Quinta, e a função na
escala receberão os nomes de tônica, supertônica, mediante, subdominante e
dominante.
Qualidades/defeitos
Não
existe música sem essas qualidades: timbre (qualidade ou característica
especial da cada som), melodia (combinação de notas que são tocadas
uma após a outra), harmonia (conjunto de sons ou de notas que são
tocadas de uma só vez), ritmo (movimento, cadência ou balanço
que obedece ao som durante a execução da canção), dinâmica (modos de interpretação usados numa
peça musical), interpretação (maneira de exteriorizar nosso
sentimento e nossa sensibilidade através do som e técnica (grau de execução e
perfeição que se adquire após algum tempo de estudo e prática).
É
partir desses fundamentos que se percebe a mentira de falar que a House Music
ou Pancadão seria o Funk que surgiu no começo da década de 1960 nos Estados
Unidos. O Funk verdadeiro é a união de Jazz,
Soul e Blues. Ele tem batidas sincopadas e forte marcação rítmica de metais
(sax, trompete, piston, trombone), sobressaindo o som do contrabaixo sem deixar
a bateria em segundo plano.
É possível ouvir nitidamente acordes de piano,
cordas (guitarra, violão). O Funk legítimo tem melodia que varia de andamento,
não fica naquele andamento mecânico, como ocorre nas canções cantadas por
repentistas e no Pancadão. Tanto o Jazz quanto o Soul carregam o Blues em sua
essência. Ou seja, o Jazz é a mistura de Gospel e Blues, já o Soul é a mescla
de Blues, Pop e Spiritual.
Em
qualquer estúdio musical de qualidade, onde o manômetro vai marcar o compasso
da canção que será gravada, o Jazz, o Soul e Blues serão detectados por esse
aparelho mostrando em que velocidade o instrumento deve ser tocado. Com o
Pancadão ou House Music isto não ocorre, porque é uma "música"
eletrônica. O manômetro detecta o som emitido por essas péssimas canções como
ruídos! Barulho e música são coisas distintas. Mesmo o Heavy Metal ou Rock
Pauleira, como é conhecido, é detectado pelo manômetro no compasso 4x4, mesmo
com a guitarra emitindo som distorcido.
Falta de criatividade
Outro
detalhe curioso do Pancadão (Trash Music) é a falta de criatividade em
arranjos. Todas as "músicas" são cantadas em cima da mesma base
eletrônica (bateria, baixo e sintetizador), nunca ocorre mudança. Mesmo o
Pagode, com seus arranjos pobres e letras cheias de rimas fracas (amor rimando
com dor, com calor, flor e etc) percebe-se certa qualidade na base musical.
Enquanto é possível se cantar Rock, Reggae,
Soul, Blues e Jazz ao vivo, com guitarras ou violões, contrabaixo, teclados; o
Pancadão enfrenta essa dificuldade por ser essencialmente uma
"música" eletrônica. Sem tecnologia ela não existe.
Quando algum péssimo crítico musical diz que Pancadão ou Trash Music (por causa
da repetição excessiva de baixo e bateria eletrônicos, numa só nota) é Funk,
ele mostra que desconhece o passado da Funk Music que surgiu nas ruas dos
Estados Unidos e teve célebres representantes.
Esses são alguns dos artistas que cantam e
tocam o legítimo Funk: Earth Wind & Fire, War, Brass Construction, KC and
The Sunshine Band, Chic, Kool & The Gang, Fatback, Charles Wright, Chaka
Khan, The Gap Band, The Brothers Johnson, Ohio Players, Wild Cherry, Skyy,
James Brown, Tom Browne, Kurtis Blow (um dos primeiros cantores de RAP nos
Estados Unidos no final da década de 1970), Jimmy “Bo” Horne, Rick James,
Michael Jackson, Prince, Bar-Kays, Commodores, Average White Band, George
Clinton, Cameo, Milles Davis, Herbie Hancock (criador do Hip-Hop), George Duke,
Sisters Eledge, Eddie Harris, The Emotions, Leo Sayer, Parliament, Funkadelic e
Tim Maia no Brasil.
Nenhum comentário:
Postar um comentário