No festival de Woodstock, o sistema sutilmente começou o controle sobre os jovens |
Luís
Alberto Alves
O sistema criado pela elite global continua
inteligente. Quando percebeu que a discriminação racial, social, religiosa e
sexual provocava escândalo, acirrando o confronto nas ruas, optou por algo mais
refinado, porém mantendo a essência da maldade. Curioso que vários intelectuais
discutem os problemas causados pelo apartheid do passado e esquecem que a
sociedade entrou em outro modelo, pior.
Antigamente, precisamente na década de 1950,
as pessoas eram classificadas pela cor, idade, posição econômica e onde
moravam. Esses dados ajudavam identificar rapidamente quem estava se
candidatando a um emprego. O mecanismo facilitava a exclusão ou inclusão.
Mas chegaram os explosivos anos 1960. Época de
inúmeras passeatas por todo o mundo. O rastilho de pólvora era acesso tanto na
América quanto na Europa. O sinal negativo contra a guerra nos Estados Unidos
consistia no uso de cabelos compridos, afinal de contas não existem cabeludos
ou barbudos nas Forças Armadas. Estávamos no auge do movimento hippie, da paz e
amor.
Na década de 1950, poucos negros tinham acesso à rede de ensino nos Estados Unidos |
Ditadura
Militar
No Brasil, parte da população, inclusive
jovens, lutava contra a Ditadura Militar instalada no país pelo golpe de 1964.
Em Cuba, antes de terminar a década de 1950, Fidel Castro e Ernesto Che Guevara
foram as figuras importantes na derrubada do ditador Fulgêncio Batista, fantoche
político bancado pelos Estados Unidos há décadas, transformando a ilha numa
republiqueta das bananas iguais a muitas existentes na América Central. Na
França, o ano de 1968 se transformou num pesadelo para o governo, com milhares
de pessoas nas ruas exigindo mudanças.
Mas o sistema é semelhante ao lutador de boxe
experiente. Que assimila rapidamente os golpes, mesmo os desferidos
violentamente em pontos sensíveis do corpo. Ao perceber a queda iminente,
abraça o adversário para dificultar o desfecho final. O mesmo ocorreu em
relação aos gritos ecoados pelos opositores. Sutilmente começou trabalhar nos
bastidores, com o argumento de melhora na segurança e educação. Lentamente
implantou sementes danosas para provocar alterações no modo de pensar a
situação.
Che Guevara e Fidel Castro, peças importantes na revolução cubana, no final dos anos de 1950 |
A droga, tão combatida e alvo de tabus no
passado, começou lentamente a aparecer em novelas, filmes e até nas músicas,
não com aparência ruim, mas como objeto de contestação, de liberação da grande
energia existente na adolescência e juventude. Rapidamente a maconha, cocaína e
outros entorpecentes sintéticos ganharam a periferia das cidades.
Woodstock
O primeiro laboratório foi o inesquecível
festival de Woodstock, realizado, em 1969, numa fazenda nos arredores de Nova
York. Ali, com o aval do FBI e CIA, grande quantidade de todo tipo de droga
esteve facilmente às mãos da multidão que se esqueceu da lama e falta de
banheiro, para curtir poucos dias, segundo eles, de liberdade. Até fazer amor
com o corpo cheio de barro virou charme, principalmente ao som de solos de
guitarra de Jimi Hendrix, com a cabeça cheia de heroína.
Jimi Hendrix, um dos destaques no festival de Woodstock, morreu de overdose de drogas |
A proposta do sistema consistia no
desarmamento dos ânimos dos jovens do final da década de 1960. Eles colocavam
em xeque a política dos velhos coronéis, tanto na Europa quanto nos Estados
Unidos, preocupados apenas em encher os bolsos de dinheiro, obtido em estranhas
e famosas licitações envolvendo empreiteiras e indústria de armamentos e
laboratórios.
Vieram os anos 1970 e depois 1990. O excesso
de drogas tirou dos jovens o desejo por mudanças. A preocupação era assegurar a
próxima dose, deixando em segundo plano o futuro do país. Nada se igualava ao
êxtase provocado pela cheirada profunda numa carreira de cocaína, cujo grau de
pureza beirava apenas 30% misturada a pó de vidro, pois o restante era composto
de solução de bateria, pó de mármore, talco e outras sujeiras. Ou sensação de
colocar na boca um cigarro de maconha ou até mesmo viajar nas asas da heroína,
que em qualquer vacilo transporta o viciado ao além, sem passagem de volta.
Passeata contra a Ditadura Militar no Brasil, na década de 1960 |
Crachás
No final dos anos de 1990 o sistema lançou a
discriminação soft. Empresas de vários setores implantaram sistema de
identificação por meio de crachás. Pela cor deles, a portaria e a segurança
sabia de qual setor aquele funcionário pertencia, e até o seu grau de importância
administrativa. Naquele pedaço de papel plastificado, alguém recebia a
classificação de alguém que merecia bom ou simples tratamento. É igual
hospital, onde o estilo de roupa, mesmo branca, define quem é médico ou
enfermeiro.
Os bancos lançaram os cartões eletrônicos de
clientes VIPs. Pela cor, o caixa e o gerente sabem onde devem pisar fundo no
acelerador ou segurar a velocidade apertando o freio. Até no comércio, esse
tipo de cartão faz a diferença. Revela a saúde financeira do seu portador.
Alguém que merece receber bom tratamento ou o frio escanteio, de uma pessoa
dura, que virou escrava do crédito rotativo, por falta de muito dinheiro na
conta corrente. É igual viajar de primeira classe nos aviões, que sinaliza o
potencial econômico do passageiro, revelando que a tripulação deve tratá-lo
bem.
Sistema sobreviveu à queda do Muro de Berlin em 1988 |
Mas as mudanças criaram outra forma de o
comércio vender para um público refinado, na visão do sistema. Da década de
1980 para frente, ocorreu violenta explosão no surgimento de shopping centers.
As lojas de ruas foram asfixiadas lentamente, principalmente os cinemas. Num
curto espaço de tempo, a região central de São Paulo perdeu várias salas,
algumas até tradicionais como a existente na Galeria Metrópole, na Avenida São
Luiz com Praça Dom José Gaspar, Top Cine na Paulista, Metro na Avenida São
João, Marrocos na Rua Conselheiro Crispiniano entre outros.
Clean
Os shoppings concentraram inúmeros segmentos
comerciais num só lugar, inclusive cinemas e praça de alimentação. O visual
clean é a senha de que não pode existir qualquer tipo de poluição naquele
templo de consumo. Em várias cidades do Interior do Brasil, eles viraram ponto
de passeio aos finais de semana para parte de população que só vê a cor do
dinheiro uma vez ao mês. Em São Paulo ganhou a importância que a praia tem no
Rio de Janeiro e Bahia.
Pelo estilo de roupa, o sistema identifica
consumidores que estão como peixes fora da água naquele local. É a senha para a
segurança dobrar a atenção e evitar qualquer tipo de problema. Nos shoppings
existentes em points da burguesia como o Iguatemi, área dos Jardins, Zona Sul
paulistana, o estacionamento revela o potencial econômico do freqüentador.
É a proteção usada pelos ricos, mantenedores
do sistema discriminatório existentes em todo o mundo, contra os pobres. Por
exemplo: num prédio ou condomínio fechado, ninguém entra sem passar pelo crivo
da portaria, onde precisa dizer o nome e deixar o número de documentos, além de
ser fotografado. Mesmo morando na mesma cidade, precisa de autorização para
entrar naquele local, como ocorria com os negros na África do Sul, no auge do
apartheid. É algo soft, usando a desculpa da segurança, mas carregando na sua
essência, o mesmo peso da discriminação.
Caso tenha dinheiro, a sepultura recebe nome, do contrário será ignorado pelo sistema |
Adesivo
A pessoa só consegue
descobrir o peso das mãos deste terrível apartheid quando esquece em casa o
crachá da empresa onde trabalha, sendo barrado na portaria, principalmente se
for de um departamento importante. Em determinadas cerimônias realizadas pelo
governo federal, tanto no Congresso Nacional ou ministérios, o grau de
relevância do convidado é conhecido pela cor do adesivo colado na lapela do
paletó.
O aval para andar livremente pela maioria das
cidades brasileiras é o número da cédula de identidade ou RG aparecer com a
sigla nada consta nos computadores da polícia. Do contrário, já será conduzido
à delegacia, dependendo da gravidade do crime, ficar preso. A saúde financeira
é conhecida pelo CPF (Cadastro de Pessoas Físicas). Caso apresente pendência no
SPC (Serviço de Proteção ao Crédito), se transforma em alguém perigoso ao comércio,
semelhante ao doente que traz no organismo moléstia contagiosa.
Mesmo na hora da morte, quando todos são
iguais, pois seus corpos estão sem vida dentro do caixão, o sistema é implacável.
O desconhecido, cujo cadáver não foi reconhecido ou não tenha dinheiro para
custear o sepultamento é classificado de indigente. Na cova, em vez de nome,
aparecerá um número, escrito numa estaca de madeira, sem direito à cruz, no
sinal de respeito a sua memória.
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