Em diversas regiões do Brasil, menores infratores são usados pelas quadrilhas para assumirem crimes dos adultos |
Luís Alberto Alves
A redução da maioridade penal não estará no
relatório da comissão especial que avalia propostas de mudanças no sistema de medidas
socioeducativas para jovens infratores (Projeto de Lei 7.197/02, do
Senado, e apensados). Esse e outros pontos do texto a ser apresentado no próximo dia 21
foram adiantados pelo relator da matéria, deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP).
Na avaliação do parlamentar, a proposta é
aumentar a punição aos criminosos “teens” em vez de reduzir a idade penal, como
aspira à sociedade nos últimos anos. O documento vai propor alterações no ECA (Estatuto
da Criança e Adolescente – Lei 8.069/90) aumentando de três para oito
anos do tempo máximo de internação de adolescentes de 16 a 18 anos que
cometerem infrações equivalentes a crimes hediondos.
Nas propostas que estavam em avaliação, havia
a sugestão de que jovens que cometerem infrações equivalentes a crimes
hediondos não fossem mais réus primários quando passassem para a vida adulta.
Também havia previsão de dar ao infrator a pena com o mesmo tempo da punição
que um adulto receberia se ele cometesse o crime. Essas medidas, porém, não
foram acatadas pelo relator.
Retardado
O erro do Congresso Nacional é viver distante
da população, e dos martírios sofridos diariamente pelo povo. Infelizmente a
classe política trata o eleitor como se fosse alguém retardado, sem noção de
nada que acontece ao seu redor. Continuam batendo na tecla de que o adolescente
não é responsável pelos atos que comete, ou seja, é imputável.
Infelizmente o jovem do século 21 é diferente
do nascido na década de 1940, época em que o DecretoLei nº 2.848, de 7 de
dezembro daquele ano, descrevia as irregularidades que seriam punidas pela
Justiça. Naquele tempo as crianças obedeciam aos pais, era baixa a rebeldia
doméstica, mesmo em termos musicais, pois o Rock and Roll nasceria oito anos
depois pelos acordes do piano de Fats Domino, autor da primeira canção deste
gênero musical.
Setenta e quatro anos atrás, crianças,
adolescentes e jovens precisavam pedir autorização para a mãe ou pai quando
saiam de suas casas. Cometer pequenos furtos, nem que fosse para pegar balas ou
doces nos armazéns, onde se comprava fiado e marcava na famosa caderneta para
pagar no final do mês, seria alvo de rígida correção.
Teens
São poucos os casos, talvez raros, de
adolescentes cometendo crimes na década de 1940. Falar em gangues de delinqüentes
teens compostas de assassinos, drogados e assaltantes não me passa pela
memória. Existiam bandidos, como na época de Jesus Cristo, quando a população
pediu a Pôncio Pilatos que libertasse Barrabás, que vivia roubando residências
de quem tinha dinheiro em Jerusalém. Mas falar de adolescente criminoso naquela
época é algo que mais se parece surrealismo.
Mas o final da Segunda Guerra Mundial provocou
mudanças nas regras capitalistas de vários países. A década de 1950 incutiu na
mente da população o desejo de consumir vários produtos que as indústrias
passaram a despejar no comércio. Neste ano o Brasil ganhou o primeiro canal de
televisão, bancado pelo milionário Assis Chateuabriand, dono do império de
comunicação Diários Associados, composto de inúmeras rádios, jornais e depois
da TV Tupi.
Logo o consumismo entrou em cena e a população
tomou gosto em comprar eletrodomésticos, desde batedeiras de bolos a enormes
aparelhos de televisores, passando pelos radinhos de pilha que muitos
brasileiros “colaram” nos ouvidos para ouvir o Brasil ganhar sua primeira Copa
do Mundo na Suécia em 1958.
Fusquinha
Para colocar mais lenha na fogueira, o
presidente Juscelino Kubitschek, que governou o País entre 1956 e 1961, abriu a
porteira para diversas montadoras de automóveis. Os jovens deixaram as
bicicletas de lado para comprar carros e muitos deles tiveram sua primeira
noite de sexo nos bancos duros do famoso “fusquinha”, produzido pela Volkswagen
na fábrica de São Bernardo do Campo, região do ABC paulista. Tudo isso para
quem tinha dinheiro.
Chegou a explosiva década de 1960 e depois a
de 1970. Nesse período o Brasil ganha uma nova modalidade de crime: assaltos ou
furtos provocados por menores de idade, que logo ganharam o nome de “trombadinhas”.
O grupo, geralmente composto de vários garotos, de oito a 14 anos de idade,
chocava-se com a vítima, ela caia no chão e quando tentava se levantar, outra
parte da quadrilha mirim pegava sua carteira ou bolsa e saia correndo,
atravessando as ruas pulando ou desviando dos carros. Daí o nome “trombadinha”.
Os anos de 1980 sepultaram de vez o romantismo
na criminalidade, que na década de 40 usava navalha ou canivete para intimidar
a vítima e pegar seu dinheiro. Ninguém brigava de mãos limpas nas ruas. Embaixo
da camisa estava um revólver calibre 32 ou 38. Neste período a Febem (Fundação
do BemEstar do Menor), da Avenida Celso Garcia, Tatuapé, Zona Leste de SP,
começou a ficar cheia de crianças e adolescentes. A maioria envolvida em roubo
ou furtos.
Trombadinhas
Logo era virou colegial do crime. Criada para corrigir desvios de
condutas e acolher órfãos de pai e mãe, desvirtuou desse nobre propósito. Os “trombadinhas”
sumiram das ruas. Os jovens perceberam que não precisavam mais ficar correndo
entre os carros com bolsa ou carteira cheia de trocados. O cano de uma arma de
fogo amolecia qualquer homem ou mulher num assalto.
Apareceram quadrilhas compostas apenas de adolescentes, chefiadas por
alguém mais velho, que um dia já havia passado pela Febem. Nessa época a
polícia pegava pesado com os bandidos teens, até surgir o ECA (Estatuto da
Criança e Adolescente) em 1990. A Lei passou a punir qualquer abuso cometido
contra delinqüentes inclusos nessa faixa de idade.
A proposta do ECA é boa, pois visa preservar nossas
crianças de qualquer tipo de violência, principalmente cometida dentro de casa
ou por qualquer autoridade. Mas infelizmente no Brasil tudo acaba se
desvirtuando. Não demorou em os criminosos mirins perceberem que o ECA os
blindavam quando roubassem ou furtassem. Até matar alguém era refrescado pela
nova Lei.
ECA
Se um menino de 15 anos, por exemplo,
matar ou estuprar, pode pegar até três anos de punição socioeducativa, enquanto
que o acusado de homicídio, maior de idade, pode amargar até 30 anos de prisão.
Mas qual a diferença entre ambos? Segundo o ECA, o adolescente é imputável, não
tem noção do que faz, enquanto o adulto sabe discernir o bem do mal. É como se
um criminoso mirim desconhecesse a diferença entre roubar e trabalhar.
Não demorou para quadrilhas recrutar
adolescentes. Os maiores assaltam, matam e traficam, mas quando a polícia
chega, a culpa é jogada em cima dos menores de idade. Assumem a autoria dos
crimes e dependendo da idade, ficam pouco tempo detidos. Os últimos 20 anos
revelaram o aumento de homicídios, roubos e assaltos praticados por
adolescentes, em alguns deles com requintes de perversidade.
Mas infelizmente parte dos políticos eleitos
para atender aos clamores da população, continua crendo que os nossos jovens
ainda acreditam em Papai Noel, Fada Madrinha, Cobra Cega ou Mula sem Cabeça. Os
deputados e senadores mais radicais imaginam até que os adolescentes criminosos
desconheçam o valor do dinheiro, de um carro ou Ipad ou notebook, que não
saibam nem como funcionam armas de fogo. Que precisam receber tratamento light dispensados
às crianças do Jardim da Infância. Parece que nosso Congresso Nacional entrou
no túnel do tempo e continua estacionado na década de 1940...
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