A dona de casa Fabiane de Jesus, vítima da truculência de uma sociedade doente |
Luís Alberto Alves
O amor perde espaço a cada dia
com o crescimento da intolerância. O linchamento da dona de casa Fabiane Maria
de Jesus, 33 anos, na segundafeira (5) revela o ódio crescente em nossa
sociedade, refém do consumismo. No trânsito muitos passam a buzinar e até a
xingar o motorista que é lento ao sair após o semáforo abrir. Dentro dos
bancos, a demora no atendimento dos caixas leva alguns consumidores à loucura.
Mas qual a razão para cem pessoas
resolver tirar a vida de alguém suspeito de seqüestrar crianças para sacrifícios
em cultos de magia negra? Concordo que a Justiça brasileira é morosa e
privilegia sempre os endinheirados e amigos dos poderosos em cargos
governamentais. Porém, não é aconselhável ninguém tirar a vida do próximo,
mesmo que pese sobre o suspeito a acusação de cometer vários tipos de crime.
Para isso existe polícia e ela deve ser acionada para resolver o problema.
Infelizmente a barbárie toma
conta de todo o Brasil. A pior delas é a mentira usada pelos candidatos a
governador e presidente da República. Brincam com o eleitor. Não sentem
vergonha de prometer projetos que nunca irão sair do papel. Fazem jogo de cena,
mas nos bastidores estão unidos no mesmo ideal de dilapidar a nação. Essa regra
vale para situação e oposição. O importante é ficar bem financeiramente.
É triste ver uma pessoa sofrer
espancamento de multidão mais parecida com animais em fúria provocada pela fome
ou fugindo de incêndio na floresta ou inundação do seu habitat. Pior é entrar
no corredor dos hospitais públicos, de qualquer região do Brasil, é ver dezenas
de pacientes amontoados pelo chão, por falta de vagas nos quartos, alguns
aguardando a chegada do anjo da morte. Esses doentes sofrem o linchamento do descaso
com a saúde pública, onde funcionários ganham salário de miséria.
Outra situação igual ao
linchamento é constatar a falta de educação e cuidado com os nossos idosos,
tanto no transporte público ou mesmo quando vão o banco sacar a miséria
conhecida pelo nome de aposentadoria. São pessoas que trabalharam mais de 35
anos, alguns sob péssimas condições, e recebem como retorno palavras ríspidas
saídas dos lábios de motoristas de ônibus que falam mal deles e não param no
ponto, ao perceber velhos aguardando a condução.
Não podemos nos esquecer da
barbárie cometida há séculos contra a população indígena brasileira. De legítimos
donos das terras deste país, foram escravizados e expulsos de locais onde seus
ancestrais moraram durante muitos anos. Empurrados para guetos administrados
pela Funai (Fundação Nacional do Índio), a cada dia são dizimados por doenças e
maus tratos recebidos pelas autoridades. Existem tribos que viraram reféns de
grileiros de terras e saíram de suas tabas sob tiros, engrossando a fila de
marginais na periferia das cidades brasileiras.
Existe linchamento pior do que o
realizado pela polícia no patrulhamento de rotina? Nesse trabalho, a PM em
nível de Brasil trata negros e qualquer pessoa que não morem nos bairros de
elite como criminosos. O cidadão morrer ou sofrer tortura por causa da cor da
pele ou por residir numa favela tem efeito pior do que ser espancado pela
multidão. Ele é carimbado como bandido por causa do estilo de roupa, corte de
cabelo ou andar à noite.
O espancamento da dona de casa
Fabiane Maria de Jesus, no Guarujá (SP) revela que nossa sociedade está doente.
Perdeu o bom senso. Pretende tomar o lugar de Deus e até do Poder Judiciário.
Mostra um tecido social podre, sem lugar para compaixão e amor. Ou seja, o que
vale é o individualismo, levar vantagem em tudo, nunca ter nenhum tipo de
preocupação com o próximo. É passar por cima do outro na busca pela realização
do sonho. Desde furar fila no caixa do supermercado, Metrô, banco até mentir
para matricular a filha na creche.
Mais triste é ver a multidão
eleger heróis para salvar seus projetos de vida. Não é saudável deixarmos nas
mãos do próximo a solução de problemas que pertencem a nós. Em nossa caminhada
por este mundo, existem tarefas que cabe a cada um realizar, mas tomando o
cuidado de respeitar o direito do semelhante que é o teu vizinho, colega de
trabalho ou faculdade. É ruim constatar que a população começa a gostar de
personagens violentos e até esportes onde pancadaria entre lutadores viram
espetáculo, com direito a sangue jorrando do nariz e boca.
Na verdade o linchamento de
alguém mostra a falência dos bons modos, das relações amorosas e respeito. Essa
prática é adotada quando as instituições democráticas perdem a credibilidade.
Pior: barbárie e espancamento são filhos de mães conhecidas pelo nome de
Ditadura. Ninguém merece perder a vida de forma tão trágica, com cidadãos que se
dizem do bem, tomando o lugar de polícia, promotor e juiz. Há muito tempo que
alguns setores da sociedade fomentam o ódio como recurso para resolver
problemas sociais e até econômicos. Essa receita nunca deu certo, desde o
início da civilização. Na briga do olho por olho, dente por dente, o brasileiro
corre risco de ficar cego e banguela.
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